Ser milionário não era suficiente para 50 Cent. “Get Rich Or Die Tryin”, pugnava no álbum de 2003. Tentou e conseguiu. 12 milhões de cópias em todo o mundo, somadas às 15 milhões de “The Massacre” tornavam-no no rapper negro mais bem sucedido de início de século – em números, só o descolorado Eminem o superava. Kanye West, por seu turno, tinha a massa crítica do seu lado. “The College Dropout” (2004) e “Late Registration” (2005) recolhiam elogios de todos os quadrantes. Faziam chegar o rap a quem dele desconfiava. E tinha uma carta chamada Daft Punk para derrubar muros entre o hip hop e os círculos artísticos vanguardistas – universos separados cuja aproximação haveria de ser selada, mais tarde, em Niggas In Paris.
Em junho de 2007, os dois encontraram-se para ouvir os respetivos álbuns. ”Puxámos um pelo outro. O Biggie [Notorious B.I.G.] costumava fazer isso. Ele ia e mostrava o “Mo Money, Mo Problems” ao Jay-Z”. Kanye West e 50 Cent combinaram uma aposta. Se “Graduation” vendesse mais do que “Curtis”, 50 Cent retirava-se.
Na guerra dos tronos, os dois partiam com aspirações diferentes. 50 Cent queria ser o maior. Kanye West aspirava a mais e pugnava por ser o melhor para, através do hip-hop, transformar o mundo, já pressentido a força do verbo e o poder do ritmo para mudar cabeças e elevar o rap aos tectos do Louvre. No fundo, onde 50 Cent via ruas e bairros, Kanye West via o mundo. Onde um se contentava com o guetto do rap, o outro queria conquistar a cultura popular. Fazer do rap o novo rock, fonte de juventude, subversão e mudança de mentes.
A data não podia ser mais simbólica: 11 de setembro, o dia em que o império americano foi abalroado. “Quando escolhi a data, pensei: ‘as pessoas vão falar tanto sobre isto’”, antecipou Kanye West à “Rolling Stone” dias antes.
Que melhor metáfora para um combate entre duas forças tão distintas de uma mesma cultura? Era como votar entre Barack Obama e John McCain. Um Mayweather-McGregor na arena das rimas e batidas. E na eleição entre o conservadorismo e o progresso, Kanye West venceu. “Conseguem perceber o que é que isto representa para o hip-hop?”, ateava Kanye West antes de subir ao ringue.
Se havia alguém consciente das consequências era ele e para ele. Mas não só, aquele era um momento decisivo para a cultura popular. “Somos os Jim Morrisons e os Kurt Cobains de agora. Fui eu que disse”, era a primeira de muitas comparações com o rock que haveria de plantar nos anos seguintes. “Nós somos as estrelas rock do século XXI”, diria olhos nos olhos e com os dentes cheios de sangue a Zane Lowe, rosto da modernidade na “BBC” antes de se transferir para a Beats 1, a rádio online da Apple.
“Graduation” vendeu perto de um milhão de cópias (957 mil) e entrou diretamente para o primeiro lugar da tabela de vendas nos EUA. “Curtis” ficou-se pelas 650 mil. Nem os resultados nem a promessa sensibilizaram 50 Cent a sair de cena, tal como estabelecido, mas a era do gangsta rap acabou nesse dia. E o hip-hop entrou no tempo da democratização.
Na vida civil das ruas, dos carros e das discotecas já era um objeto de grande consumo; no círculo mediático da MTV, das galas e das rádios já tinha grande expressão, mas faltava-lhe o que Kanye West vinha para acrescentar: o reconhecimento intelectual de círculos esclarecidos. Porque o estilo de vida e os modelos sociais já estavam em transformação. Já não correspondiam só ao estereótipo do bling bling, do guetto e da misoginia. Nem estavam mais associadas a lutas de gangues. E a ligação com a moda já começara a ser estreitada por gente como Pharrell Williams.
Há dez anos, Kanye West dava o passo decisivo para se afirmar como a figura mais influente da música popular do século XXI. E por arrasto para derrubar os muros que ainda se colocavam perante o hip-hop. Musicais, também, mas sobretudo culturais, sociais e até étnicos.
No ponto quente de “Graduation”, Kanye West quebrava com os modelos tradicionais e usava “Harder Better Faster Stronger” dos Daft Punk na construção do single. Mais do que um excerto, era o portal para o hip-hop se emancipar digitalmente.
Depois vieram Drake, The Weeknd e Frank Ocean. Beyoncé afirmou-se como a rainha da música popular. O mainstream reformou-se. E o hip-hop passou a ser a música não só mais ouvida como aquela que, sendo consumida em massa, comporta um espaço de pesquisa.