A constituição tailandesa proclama que todos os cidadãos são iguais perante a lei. Porém, a realidade não se coaduna com as palavras inscritas nas leis fundamentais do país – e basta olhar para a impunidade com que Vorayuth Yoovidhya, 32 anos e neto de um dos fundadores da mundialmente conhecida bebida energética Red Bull tem vivido.
Em 2012, o herdeiro milionário matou o agente sargento-major Wichean Glanprasert nas ruas de Banguecoque enquanto conduzia um Ferrari sob o efeito de álcool. Fugiu, inclusivamente, do local do acidente. Nos cinco anos que se seguiram Vorayuth recusou-se a comparecer às audiências com os procuradores, o que impediu a investigação de prosseguir. Isto levou à prescrição de alguns crimes de que era acusado, como o de ter abandonado o local. Enquanto isso, viajava pelo mundo e mantinha a sua normal vida luxuosa.
Na semana passada, a Interpol emitiu um mandado de captura – que abrange os seus 190 Estados-membros – após o suspeito ter fugido da Tailândia em abril, depois de ter tomado conhecimento de que iria ser detido pelas autoridades tailandesas. Entre outras medidas, o mandado alerta, teoricamente, os funcionários das fronteiras, dificultando as viagens internacionais e tornando a detenção provável. Em maio deste ano as autoridades tailandesas cancelaram o passaporte de Yoodhya.
O caso está a levantar inúmeras críticas sobre a impunidade dos ricos e poderosos bem relacionados no país, que se tem debruçado com a imposição do Estado de Direito no seu território, principalmente desde que o general Prayuth Chan-ocha liderou um golpe de Estado em maio de 2014, declarando guerra à corrupção e prometendo transformar a Tailândia numa sociedade mais justa e igualitária. «Não é de espantar que pessoas com dinheiro e influência pensem que podem evitar as consequências legais por terem matado nas ruas», escreveu o Bangkok Post num editorial. A «história demonstra que podem», denunciou a publicação.
O caso do herdeiro da Red Bull não é único. Ainda no ano passado o filho de um empresário abastado matou duas estudantes de liceu enquanto conduzia o seu Mercedes, estando o caso pendente nos tribunais. E, em 2010, uma adolescente de 16 anos sem carta de condução, filha de um ex-oficial militar e membro de uma família com influência política, avançou com o carro que conduzia contra uma multidão de pessoas, matando nove. Os tribunais condenaram-na a uma pena suspensa de dois anos e a serviço comunitário – que, no ano passado, ainda não tinha completado.
Uma história de família
A fortuna de família de Vorayuth Yoovidhya começou com Chaleo Yoovidhya – então um vendedor de medicamentos –, que na década de 1960 decidiu fundar a sua própria empresa farmacêutica, a TC Pharma. Em 1976, a empresa lançou a famosa bebida energética Red Bull em parceria com o austríaco Dietrich Mateschitz. Cada um investiu 500 mil dólares (419 mil euros) e dividiram a propriedade da empresa entre si, atribuindo 2% para Chalerm Yoovidhya, pai de Vorayuth. Este tinha acabado de fazer um ano de idade quando a bebida energética avançou para o mercado internacional, aumentando imensamente a fortuna da família. Em 2012, a riqueza dos Yoovidhya representava 2,1% do PIB da Tailândia. A empresa tem hoje a sua própria empresa de comunicação social; equipas de futebol profissional, de corrida de carros e de aviões, além de organizar eventos desportivos mundialmente conhecidos. Um império empresarial.
Em 2016, a Red Bull vendeu mais de seis mil milhões de latas em mais de 170 países e a revista Forbes calculou a fortuna de Chalerm em mais de nove mil milhões de dólares.
À medida que a fortuna da família foi aumentando, as gerações mais novas, onde Vorayuth se inclui, foram-se tornando socialites. Viajam frequentemente por todo o mundo onde jogam em casinos e comem nos melhores restaurantes. Vorayuth recebeu educação no colégio de Bradfield, Reino Unido, onde as propinas custam 40 mil dólares (33 mil euros) por ano, sendo esta uma das instituições para onde as famílias tailandesas abastadas enviam as suas crianças.
A vida do herdeiro milionário contrasta com a que o agente sargento-major Wichean Glanprasert teve até 2012. Wichean não teve muitas oportunidades na vida, mas, e de acordo com os seus familiares e amigos, era determinado e ambicioso.
Era o mais novo de cinco irmãos, mas o primeiro a ter saído da casa da família na província para ir trabalhar para a cidade com o objetivo de pagar o curso da academia de polícia. Quando morreu, encontrava-se a pagar as despesas de saúde da sua irmã, que estava doente com cancro, uma vez que os pais de ambos também já tinham falecido. Wichean também estava a planear apoiar as despesas do colégio dos seus sobrinhos. As vidas tão diferentes de Vorayuth e de Wichean colidiram na noite de 3 de setembro de 2012, colocando um ponto final na vida do segundo, enquanto a do primeiro continuou como se nada tivesse acontecido.
A impunidade
Semanas depois do acidente, a Associated Press descobriu que Vorayuth, então com 27 anos, continuava a usufruir de uma vida luxuosa. Nos últimos cinco anos, o herdeiro visitou mais de nove países em aviões privados da Red Bull, acompanhou as corridas da equipa de competição da empresa e conduziu o seu Porsche Carrera pelas ruas de Londres, publicando cada um dos seus feitos nas redes sociais, onde se encontram mais de 120 fotografias. Celebrou o aniversário no restaurante de Gordon Ramsay em Londres, visitou o “Mundo dos Feiticeiros do Harry Potter” no Japão e o porto do Mónaco com o seu cruzeiro. Depois da sua fuga da Tailândia em abril, a AP continuou a seguir o seu rasto pelas redes sociais e descobriu que ainda no mês passado o herdeiro visitou o templo sagrado de Luang Prabang, no Laos, tendo desfrutado da gastronomia local de da piscina de um resort de cinco estrelas.
Desde 2012 que o advogado de Vorayuth tem usado todos os trâmites legais para impedir que o seu cliente seja julgado. O advogado apresentou petições às autoridades em que argumentava que o seu cliente estava a ser tratado de forma injusta e encontrou-se com a família de Wichean para lhe oferecer um acordo financeiro de 100 mil dólares (83 mil euros), em troca de assinarem um documento em que prometiam não avançar com ofensas criminais contra Vorayuth, o que, no sistema jurídico tailandês, impede a família de avançar para os tribunais caso as autoridades não tomem ações nesse sentido.
O caso continua a gerar polémica na Tailândia sobre a desigualdade entre os ricos e os pobres, não apenas perante a justiça mas também na economia. No país, o salário mínimo diário são dez dólares (8,38 euros) e o rendimento médio anual é de 5210 dólares (4368 euros).