“A sensação de diagnóstico e do início de tratamentos é de tal forma árdua que às vezes é melhor estar doente do que fazer o tratamento”, confessa Ricardo Bacalhau. Já passaram duas décadas desde que foi diagnosticado com um linfoma. Apesar dos receios, levou a melhor sobre a doença. Entrou em remissão e não houve até hoje nenhuma reincidência. Também Joaquim Roque Pinto enfrentou o diagnóstico deste cancro que afeta o sistema linfático. No Dia Mundial do Linfoma, o i falou com dois sobreviventes, que deixam uma mensagem de otimismo, mas também de que é preciso estar alerta aos sintomas. Portugal regista 1500 a 2000 casos por ano desta doença e ainda há muitos diagnósticos tardios.
Para Ricardo, a reviravolta da doença surgiu aos 22 anos. Estava a tirar uma licenciatura em Direito e fazia muito exercício, o que de certa forma contribuiu para a demora no diagnóstico, recorda. “Praticava muito desporto e não notava alguns dos sintomas, como dores nas articulações e perda de peso, não sentia a diferença e isso era apagado pela minha vida na altura, porque era estudante universitário”.
Quando sentiu os gânglios mais inchados no pescoço, um dos sintomas, acabou por procurar o médico. “Passei por uma série de exames onde houve diagnósticos errados”, lembra. Em abril de 1999, numa consulta na CUF, chegaria confirmação: linfoma de Hodgkin, um dos dois tipos de linfoma e o menos frequente.
Apesar da dificuldade em conciliar os tratamentos com as aulas, não pensou em interromper os estudos. “Mesmo com os tratamentos durante o período de quimioterapia, continuei a ir à universidade”, conta, assumindo que não foi fácil, porque com a doença veio um turbilhão de emoções e cansaço. “Pensava que um exame era às seis da tarde e afinal era às três. Acabei por nesse ano fazer apenas uma cadeira ou duas e depois tive de repetir no ano seguinte”.
Há 18 anos em remissão, os efeitos secundários, como fadiga e ansiedade, ainda prevalecem, mas é mais fácil lidar com isso do que com as sessões de tratamento, sorri.
Durante ano e meio, no pico da juventude, Ricardo fez 22 sessões de radioterapia na zona do pescoço. Quando fazia as sessões não conseguia comer e sentia-se sempre muito cansado, tão cansado, que chegava ao ponto de ao subir algumas escadas e ter de se sentar para recuperar o fôlego. “Antes de ser diagnosticado praticava artes marciais e corria, durante a quimioterapia subia dez degraus e tinha de descansar”.
Apesar de todas as adversidades, baixar os braços nunca foi algo que lhe tivesse passado pela cabeça. Ter um pilar de apoio é muitas das vezes o ponto mais importante de todo o processo de tratamento, explica, para que se continue a ter forças para encarar a doença com coragem. “Quem me apoiava naquela altura era a minha mãe, que esteve sempre ao meu lado. E o meu pai, a família mais próxima e os amigos”, explica.
Mas também tinha amigos virtuais, uma ajuda vital, recorda. Na altura, ainda a internet estava longe de ser o mundo que é hoje, falava com outros doentes com cancro através de um chat na internet. Mas tentava diversificar o que fazia. “Não podemos estar obcecados com a doença, senão não vivemos”, conclui Ricardo, hoje de 40 anos. A vida recompôs-se. É advogado e faz desporto, continuando sempre alerta a todos os sinais.
Quando a doença aparece mais tarde
Joaquim Roque Pinto viu-se frente a frente com a doença noutra fase da vida. Tinha 67 anos quando ouviu o diagnóstico, um momento vivido de forma muito diferente de doente para doente. Aceitou-o, explica. “O que é que eu senti? Nada de especial. Fui saber uma segunda opinião, se era uma coisa grave e disseram-me que tinha 50% hipóteses de me tratar, não fiquei muito atrapalhado”, conta.
Engenheiro de profissão, hoje com 73 anos, lembra os sinais que antecederam a confirmação. Um mês a sentir febre e calafrios. “Comecei por ter febres altas e a transpirar muito durante a noite, portanto fui ao hospital. Na altura achavam que era uma pneumonia”, explica.
Passou quase um mês a tomar antibióticos, mas os sintomas não iam embora. Quando o soube finalmente o que tinha, continuou a viver de forma normal, resume. “Isto tem de ser encarado com um certo desportivismo”, brinca, acrescentando que não desistiu de trabalhar ou de jantar fora apenas por ter perdido o cabelo, as pestanas ou as sobrancelhas – normalidade que o ajudou a manter firme a ideia de que iria recuperar. “Fazia tudo, ia trabalhar, ia jantar fora, ia a casa de amigos, não mudei em nada a minha vida, absolutamente nada. Continuei a trabalhar, mais calmamente, mas não larguei nada. A minha vida continuou, embora um bocadinho condicionada, mas não houve alterações radicais”.
O tratamento de Joaquim durou cerca de seis meses e no total fez seis sessões de quimioterapia, de três em três semanas. O que recorda desse período? Que as sessões eram um pouco “chatas”, mas tinha que ser. Levava um livro para ler no hospital e o tempo, que trouxe boas notícias, acabou por ir passando.
Para Joaquim, visto agora à distância, o pior não foram os tratamentos, mas sim o tempo que esteve a sentir-se mal até ser diagnosticado com cancro. “A parte chata é quando uma pessoa não é tratada. Era terrível, transpirava, sentia-me fraco, não dava sequer para trabalhar”. Nos tratamentos, foi como se ganhasse forças. Nunca se sentiu fraco ou com enjoos depois das sessões fazia questão de pedir para irem jantar porque estava sempre “cheio de fome”. Desistir nunca foi uma palavra que constasse no seu vocabulário, procurava manter o otimismo. “Sempre tive confiança que ia ultrapassar essa situação”.
Estar alerta
Para os doentes em remissão, todo o cuidado é pouco e Joaquim está mais alerta do que nunca. Continua a ser acompanhado, faz rastreios de seis em seis meses e quando sente que algo não está bem liga para saber se é algo grave. “De vez em quando sinto que tenho calafrios à noite e ligo à doutora e marco uma consulta.”
Ter essa proximidade com o médico é outra forma de se sentir mais confortável. Nunca teve uma reincidência desde 2011, ano em que o linfoma entrou em remissão. O nunca se ter conformado a ser uma pessoa doente é outra mensagem que partilha a propósito do Dia Mundial do Linfoma. “Não me sentia um doente, tinha este problema que sabia que de três em três semanas tinha de ir fazer quimioterapia.”
Manuela Bernardo, coordenadora do Serviço de Hematologia do Instituto CUF de Oncologia, no Hospital CUF Infante Santo, acompanhou estes dois doentes, mas tem seguido muitos casos de linfoma nos últimos anos. Há razões para otimismo? Não tem dúvidas. “Houve avanços no diagnóstico, nas técnicas laboratoriais e na terapêutica”. E também nos medicamentos.
Estes avanços permitem aos médicos identificar com maior facilidade o tipo de linfoma com que estão a lidar, porque não são todos iguais e “não se tratam todos da mesma maneira”, alerta a médica, apesar de na maioria dos casos serem tratados com quimioterapia. Mas sendo mais fácil hoje caracterizar o tipo de células afetadas, é possível adaptar melhor os tratamentos em cada caso.
Os prognósticos refletem essa melhoria: atualmente, 70% dos doentes sobrevivem aos primeiros cinco anos depois da doença entrar em remissão. E, a partir dos dez anos de sobrevivência, é menos provável que a doença volte a reincidir. O que importa saber? O êxito do tratamento depende de um diagnóstico correto e o mais precoce possível.
*Artigo editado por Marta. Freis