O discurso da líder de facto de Myanmar (antiga Birmânia) e Nobel da Paz de 1991, Aung San Suu Kyi, marcado para amanhã, será a sua “última oportunidade” para pôr fim ao conflito que, só nas últimas três semanas, já levou mais de 400 mil rohingyas a cruzar a fronteira com o Bangladesh. A recomendação vem do secretário-geral das Nações Unidas que assume que a crise pode tornar-se irreversível. “Se ela [Suu Kyi] não reverter agora a situação, acredito que a tragédia será absolutamente terrível e, infelizmente, não vejo como a mesma poderá ser revertida no futuro”, enfatizou António Guterres, numa entrevista à BBC.
Perseguida há várias décadas em Myanmar – a ONU voltou a denunciar, recentemente, a “limpeza étnica” e os crimes contra a humanidade que estão em curso no país, levados a cabo pelo exército birmanês –, a minoria muçulmana rohingya viu-se novamente apanhada pela guerra quando, no final do mês de agosto, os combatentes rebeldes do Exército de Salvação dos Rohingya de Arracão (ARSA, na sigla em inglês), atacaram diversas instalações policiais e mataram 12 agentes, no estado de Rakhine.
Sob o pretexto de estarem a lutar contra os “terroristas” do ARSA, as forças militares birmanesas iniciaram uma retaliação brutal contra a população civil rohingya, cuja estratégia inclui a destruição de aldeias inteiras, deportações em massa e até a instalação de minas terrestres na fronteira com o Bangladesh.
No passado sábado, o general birmanês Min Aung Hlaing usou a rede social Facebook para afirmar que os rohingya “nunca foram um grupo étnico no Myanmar” e acusou-os de quererem estabelecer um bastião em Rakhine. Já um porta-voz do governo veio garantir que não serão autorizados quaisquer regressos dos refugiados às suas casas.
Embora tenha reconhecido que o exército controla grande parte do poder político em Myanmar, Guterres acredita que o fim do conflito passa muito pela mensagem que Suu Kyi transmitir à nação (e ao mundo) na próxima terça-feira. A Nobel da Paz, recorde-se, recusou marcar presença na Assembleia Geral da ONU, esta semana, em Nova Iorque, tendo justificado a ausência com os “assuntos domésticos que precisam de atenção”, pelo que as expectativas em volta das suas palavras são elevadas.