Hillary Rodham Clinton não esconde que, quase um ano volvido, continua sem digerir o resultado das eleições presidenciais de 2016 e a derrota para Donald Trump. Mais ainda agora se lançou numa rotina de entrevistas de promoção do seu livro de memórias sobre a campanha eleitoral, intitulado “What Happened” (ver texto ao lado). Só que agora foi mais longe.
Em entrevista a Terry Gross para a National Public Radio (NPR, a rádio pública dos EUA), a ex-candidata democrata sublinhou que não descarta a possibilidade de vir a contestar na justiça a legitimidade da vitória de Donald Trump:
“– Quero voltar à questão, põe completamente de parte questionar a legitimidade desta eleição se viermos a saber que a interferência russa na eleição é ainda mais profunda do que sabemos até agora?
– Não. Não ponho. Quero dizer…
– Não põe de parte?
– Não, não ponho de parte.”
Dito isto, Clinton acrescentou que se trataria de uma ação sem precedentes e que não estava segura de o poder vir a fazer: “Penso que não temos um mecanismo” para pôr andar o processo de deslegitimação de um presidente eleito, disse. “Existem intelectuais, académicos, que têm argumentos a defender que existem [mecanismos], mas não me parece que sejam fundamentos sólidos”. De qualquer maneira, não se esqueceu de lembrar o fato de as eleições presidenciais no Quénia terem sido anuladas pelo Supremo Tribunal.
“A eleição no Quénia acabou de ser anulada e, na verdade, o interessante – e espero que alguém escreva sobre isso, Terry – é que a eleição queniana também foi um projeto da Cambridge Analytica, a empresa de dados propriedade da família Mercer que foi fundamental no voto do Brexit”, explicou.
Apesar de sentir que a legislação dos EUA não lhe permite anular a eleição presidencial, a antiga primeira-dama e antiga chefe da diplomacia norte-americana não deixou de lançar as suas farpas para o candidato que a derrotou o ano passado: “Acredito que Donald Trump representa um perigo claro e atual para a nossa democracia, para as nossas instituições, para o Estado de direito, para os direitos civis e humanos de muitos americanos, para a distribuição económica da riqueza”.
Ideias para anular o resultado das eleições foram muitas desde que os EUA souberam que o candidato republicano havia saído vitorioso das eleições de Novembro do ano passado. Uma petição legal chegou ao Supremo Tribunal assente na ideia da invasão do ciberespaço norte-americano por parte dos russos. Voltou a ganhar força esta semana quando se soube, através de uma notícia da CNN, que um tribunal ordenou secretamente colocar sob escuta o telefone de Paul Manafort, antigo chefe de campanha de Trump, antes e depois da eleição. Os investigadores, segundo a CNN, dizem que alguma da informação recolhida com essas escutas mostra que Manafort terá incentivado os russos a ajudarem na campanha eleitoral. No entanto, duas das fontes acrescentam que a informação não é conclusiva.
Na entrevista à NPR, Hillary Clinton compara o tratamento que o então diretor do FBI deu à investigação ao escândalo dos emails que a envolveu (não são poucos os que dizem que o anúncio público de James Comey de que iria reabrir a investigação dos emails teve influência no resultado da eleição) e à investigação às ligações russas da campanha de Trump.
“Penso que o povo americano merece saber que havia uma investigação que tinha começado no princípio de 2016 – os americanos nunca souberam isso. E, no entanto, os meus emails, que ele [Comey] reinjetou na campanha mesmo no fim, não poderia lidar com eles”, refere a antiga secretária de Estado. “Ele nunca disse uma palavra sobre a investigação à Rússia”, acrescentou.
Chris Cillizza, no site da CNN, diz que Hillary Clinton nunca admitira a possibilidade de questionar formalmente o resultado das presidenciais e que pretendia exatamente dizer isso. Lembrando que Trump ameaçara repetidamente na campanha não aceitar os resultados porque estes estariam a ser instrumentalizados (o “Crooked Hillary” que tantas vezes repetiu para gáudio dos seus apoiantes, o fato de Clinton vir agora sublinhar esta ideia “é mais uma lembrança de que a eleição de 2016 não teve nada a ver com qualquer outra que já tenhamos visto (ou que venhamos a ver outra vez)”.