As eleições alemãs deste domingo são do que mais excitante pode acontecer numa corrida cujo vencedor se conhece de antemão. Angela Merkel triunfará. Disso não há dúvida. As sondagens são claras e se momentos houve em que o centro esquerda do SPD pareceu colocar-se entre a chanceler e o seu quarto mandato consecutivo, já ninguém os recorda a não ser para referir a vertiginosa queda que Martin Schulz sofreu desde a primavera, quando, por algumas semanas, surgiu em primeiro nas consultas. Merkel já governou por mais tempo que qualquer outro líder de um grande país europeu desde o seu antecessor, Helmut Kohl, e continuará a fazê-lo por mais quatro anos. A sua popularidade, aliás, anda perto dos máximos históricos e supera os 60%. Sobre Merkel, não há mistério. Sobre o resto, sim.
A grande dúvida nas eleições alemãs não reside em quem será o seu vencedor, mas com quem Merkel terá de partilhar governo. Os democratas cristãos (CDU-CSU) levam um grande avanço sobre o SPD, que ainda é o seu parceiro de coligação e ao longo da campanha ocupou o desconfortável posto de crítico e defensor de um governo em que participou e ao qual deseja suceder. Os 14 pontos que separam os dois grandes partidos alemães, no entanto, não são suficientes para dar uma maioria a Merkel, como, aliás, nunca aconteceu desde a reunificação. O sistema eleitoral alemão quase se assegura disso e é aqui que residem as grandes dúvidas para estas eleições. A chanceler só rejeitou dois possíveis parceiros de coligação: o partido nacionalista Alternativa para a Alemanha (AfD) e a extrema-esquerda do Die Linke. Os restantes concorrem a um lugar no governo, embora o parceiro mais consensual para o eleitorado seja também o mais indeciso em regressar ao governo.
Os alemães querem que a CDU se volte a entender com o SPD e mais quatro anos de uma Grande Aliança. Os social-democratas, nem tanto. O partido nunca recuperou desde que o seu então chanceler Gerhard Schröder perdeu por pouco as legislativas de 2005 para Merkel e o SPD decidiu governar em coligação com os conservadores vitoriosos. Nas eleições seguintes, em 2009, foram trocados pelos liberais, ideologicamente mais alinhados com a CDU, com quem se coligam e por quem são atropelados mais tarde, nas eleições de 2013, ano em que Merkel quase chega à maioria. Nem assim o SPD saiu da modorra eleitoral. Os sociais-democratas melhoraram os resultados negativos recorde de 2009, sim, mas por pouco: de 23% subiram apenas para os 25,7%. Uma nova aliança com Merkel parece prestes a enviá-los de novo para o patamar de há quase dez anos. Daí que no interior do partido se ouçam por estes dias vozes pedindo o regresso à oposição e dizendo que o SPD se amestiçou com o convívio conservador. “Precisamos de ir para a oposição”, contava esta semana um responsável regional ao “Financial Times”. “Precisamos de falar com as bases partidárias e restabelecer-nos como sociais-democratas.”
Jamaica? A indecisão do SPD alimenta o mistério de domingo. Os politólogos argumentam que muito dependerá dos resultados dos quatro partidos pequenos que este ano devem entrar no Bundestag, quase todos na linha dos 8 a 11%. Os parceiros naturais da CDU são os liberais, mas o seu novo líder parece diametralmente oposto os projetos de maior integração financeira na Zona Euro que Merkel e o presidente francês Emmanuel Macron vêm negociando – contraria também o tom ecologista que a chanceler adotou e a sua linha dura contra os empréstimos à Grécia vai contra o tom europeu do momento. Além disso, coloca-se a chance de o FDP nem sequer ter votos suficientes para dar maioria à CDU, o que, numa possível recusa dos lados de Schulz, passaria a tocha para Os Verdes, que podem, em teoria, viabilizar uma aliança tripartida com os liberais e a CDU. É a chamada solução “Jamaica” que, em todo o caso, é bastante improvável, dada a má convivência entre os três.
Ou seja: de volta a Schulz, que durante a campanha foi brando com Merkel e nunca afastou a possibilidade de uma nova aliança com a CDU – como se viu, aliás, pelo debate entre os dois líderes, que esteve longe de “o duelo” promovido nas televisões e se aproximou mais de “o dueto” a que lhe chamou a imprensa alemã. À sua campanha modesta, em que se alongou mais sobre os seus dias como presidente de uma Câmara local do que dos 20 anos que passou no palco europeu, somaram-se as manobras de Merkel. Da mesma forma que nos seus mais de dez anos de poder a chanceler foi recolhendo princípios fundadores de outros partidos, desde a ecologia à criação de um salário comum, também nesta campanha tirou a Schulz a defesa do casamento homossexual, subitamente vencendo velhas hesitações apenas dias depois de o líder social-democrata apresentar a medida. O cálculo do SPD não é fácil e o partido pode facilmente ver-se tão penalizado por não entrar na coligação como em revalidá-la. A não ser que o AfD vença os outros partidos pequenos e ameace tornar-se no principal partido da oposição no Bundestag. Esse, sim, é o cenário aniquilador da Grande Aliança. “Muitos social-democratas considerá-lo-iam intolerável”, explica Thorsten Faas, politólogo na Universidade de Mainz, ao “Financial Times”.