Avida não foi um mar de rosas para o diligente funcionário. Educação honesta, esforçada mas modesta, levaram o diligente funcionário, ainda antes de o ser, a partir para a cidade em busca de melhor oportunidade. Para completar o cliché, o diligente funcionário sonhava com um emprego, mulher e dois filhos e o regresso à terra, para gozar as poupanças de uma vida de trabalho.
O diligente funcionário foi somente isto toda a vida: um funcionário diligente. Sem conhecimentos que o desatacassem, entrou novo para uma função menor na companhia e, na medida em que a companhia cresceu, criando novos negócios e explorando outros mercados, o diligente funcionário cresceu com ela. Afinal, sempre foi um funcionário diligente, em trinta anos de serviço só faltou para ver nascer os filhos e enterrar a mãe, nunca lhe foram conhecidas quaisquer críticas à companhia, que lhe proporcionava um caminho estável e seguro para conseguir viver o seu sonho. Para servir a companhia, o diligente funcionário aprendeu a guiar um carro, a operar uma máquina, a substituir velas nos motores, a correr um procedimento de segurança na central elétrica, a substituir routers e modems, a programar a sua gestão diária através de um software de assistência técnica. Sempre diligente, o funcionário.
O diligente funcionário assistiu a muitas mudanças na companhia. Primeiro as máquinas, que substituíram os funcionários na produção da fábrica, um técnico fazia o trabalho de vinte pessoas e trocava uma posição na linha por uma cadeira com rodas numa sala de controlo. Depois chegaram os computadores, em pouco tempo passaram a ornamentar todas as secretárias, primeiro dos pisos da administração e depois de toda a companhia e até o porteiro passou a ter um ecrã para controlar as entradas de pessoas e mercadorias no edifício da companhia.
Diz-nos a universidade de Oxford, citada num artigo de Fevereiro de 2017, que nos próximos vinte anos 47% dos empregos nos Estados Unidos serão automatizados, ou seja, funções atualmente desempenhadas por humanos passarão a ser realizadas por máquinas. Arredondando, nos próximos vinte anos metade dos trabalhos que os americanos executam vão dispensar o elemento humano. De acordo com a mesma fonte, esta substituição (chamemos-lhe assim) vai acontecer com ritmos diferentes, impactando, primeiro, lugares de chefias intermédias, vendedores de commodities, redatores de áreas não criativas como relatórios e boletins informativos, contabilistas e médicos. O prognóstico é claro, tudo o que não envolve competências criativas ou uma forte componente relacional, está sob ameaça. Muitas obras de ficção exploram estes cenários que ninguém quer habitar.
Por outro lado, as profissões onde as máquinas vão ter mais dificuldade são as de professor primário, atleta profissional, político, juiz e profissional de saúde mental. São as funções de natureza cognitiva e não repetitiva aquelas que mais dificilmente poderão ser substituídas por automatismos. Estas são as funções que o diligente funcionário menos gosta e que ao longo do seu percurso na companhia procurou evitar: são mais imprevisíveis, implicam assumir riscos e acatar responsabilidades.
Hoje o sonho é outro. Os millennials querem acima de tudo conhecer o mundo, ter tempo para os amigos, mudar de companhia frequentemente. Olhando para o universo do marketing, este é o perfil mais emergente e acredito que, num curto espaço de tempo, será também o mais representativo. Um perfil novo, com um sonho diferente. A questão é se a companhia estará preparada para fazer esta geração acreditar que os pode ajudar a concretizar o seu sonho. Ou se continuam a ser estruturas que acima de tudo promovem o desenvolvimento do funcionário diligente, repetitivo e previsível. Assim sendo, arriscamos caminhar em passo muito acelerado para uma realidade em que duvido muito que alguém queira viver.
*Responsável Planeamento Estratégico do Grupo Havas Media