Batizada com o mesmo nome da cidade da Índia onde, em 1500, Pedro Álvares Cabral sofreu uma dura derrota militar, a Operação Calicute conheceu na quarta-feira o seu mais pasmoso episódio. Na quarta-feira à noite (madrugada desta quinta em Portugal), a investigação que decorre de um dos incontáveis eixos da Lava Jato – a maior inquirição judicial de corrupção da História do Brasil –, produziu uma dura sentença contra Sérgio Cabral. O ex-governador do Rio de Janeiro foi condenado a 45 anos e dois meses de prisão pela justiça federal, pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e liderança de organização criminosa.
O juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal Federal do Rio, decidiu aplicar ao político do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), do presidente Michel Temer, a mais pesada punição de sempre em processos relacionados com a Lava Jato, ultrapassando a pena de 43 anos de prisão imposta, em agosto do ano passado, ao ex-presidente da empresa Eltronuclear, Othon Luiz Pinheiro.
Cabral foi responsabilizado pela aceitação de subornos da empreiteira Andrade Gutierrez, na ordem dos 7,7 milhões de reais (cerca de dois milhões de euros), relativas aos concursos de atribuição da remodelação do estádio do Maracanã, das obras numa urbanização em Manguinhos, da expansão do metropolitano em Copacabana, e da construção do Arco Metropolitano e Mergulhão de Caxias. O antigo governador foi ainda culpabilizado de lavagem de dinheiro por meio de aquisição de joias – a justiça fala em valores próximos dos 6,5 milhões de reais – e de contratos fictícios que envolviam a sociedade de advocacia da sua mulher, Adriana Ancelmo.
“Principal idealizador dos esquemas ilícitos perscrutados nestes autos, o condenado Sérgio Cabral foi o grande fiador das práticas corruptas imputadas. Em razão da autoridade conquistada pelo apoio de vários milhões de votos que lhe foram confiados, ofereceu vantagens em troca de dinheiro. Vendeu a empresários a confiança que lhe foi depositada pelos cidadãos do estado do Rio de Janeiro, razão pela qual a sua culpabilidade, maior do que a de um corrupto qualquer, é extrema”, pode ler-se na sentença assinada por Bretas, que ainda rotula a “ambição desmedida” do ex-governador do Rio como “repugnante” e o acusa de ter contribuído para o agravamento da crise económica vivida naquele estado.
Para além de Cabral, foram ainda condenadas outras onze pessoas relacionados com o processo, incluindo a sua esposa – recebeu uma pena de 18 anos e três meses de prisão –, antigos secretários e assessores do governo do Rio, como Wilson Carlos e Hudson Braga, e empresários da Andrade Gutierrez. O ex-governador e a grande maioria dos acusados já se encontram detidos, pelo que permanecerão na cadeia enquanto se preparam os respetivos recursos. Adriana Ancelmo encontra-se em regime de prisão domiciliária, mas a justiça brasileira decretou se mantenha em casa.
Citado pela “Folha de São Paulo”, o advogado de Sérgio Cabral admitiu que a sentença “era esperada”, mas lançou suspeitas sobre a idoneidade do juiz Marcelo Bretas, responsável por outras 12 ações penais que envolvem o nome do “peemedebista”. “A sentença é uma violência ao Estado democrático de Direito e só reforça a arguição de suspeição que já fizemos contra o juiz que a decretou. [Temos] um recurso de apelação para órgãos superiores onde os ânimos são outros e a verdade tem mais chances de sobrevivência”, explicou Rodrigo Roca.
A condenação de quarta-feira não é a primeira que recai sobre os ombros do ex-governador do Rio, no que toca à Lava Jato. O principal rosto judicial da operação, Sérgio Moro, já havia sentenciado Cabral a 14 anos e dois meses de prisão, em junho deste ano. O juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba concluiu que o acusado recebeu outros 2,7 milhões de reais da Andrade Gutierrez, referentes às obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, da petrolífera Petrobras.