A coroação imperfeita de Merkel

Merkel vai conquistar o quarto mandato consecutivo como chanceler, mas ninguém sabe com quem vai governar. A extrema-direita pode acabar no terceiro lugar.

Angela Merkel triunfará. Disso, ninguém tem dúvidas. As sondagens garantem-no há meses, desde que, no início da primavera, o principal adversário social-democrata caiu do topo das consultas para lá nunca mais regressar. Ou sequer se aproximar. De acordo com os dados mais recentes, publicados ontem pelo Bild, a CDU da chanceler obterá qualquer coisa como 34% do voto nas eleições legislativas deste domingo. Já os social-democratas do SPD e Martin Schulz podem tombar para o mais-que-negativo território dos 21%, o que será considerado por todos um desastre de grandes dimensões. Pioraria até os valores recorde das já cataclísmicas eleições de 2009, quando o partido do centro-esquerda alemão registou apenas 23% dos votos.

Que Merkel vencerá as eleições de amanhã e ocupará o cargo de chanceler pelo quarto mandato consecutivo não há dúvidas. Mas isso não quer dizer que a ida às urnas deste domingo não seja uma incógnita em tudo o resto. A chanceler não conseguirá uma maioria absoluta, como quase garante o sistema eleitoral alemão, que só uma vez foi governado por um partido a sós desde o fim da II_Guerra Mundial e nunca a partir da reunificação. Alguém tem de se entender para governar a Alemanha e isso pode fazer com que o desastre eleitoral do SPD e de Martin_Schulz deixe de ser uma bênção para os democratas cristãos e, em vez disso, passe a ser uma grande dor de cabeça. Angela Merkel vai vencer no domingo, mas não dormirá descansada na véspera.

Os próximos quatro anos de política alemã e europeia dependem de como se saírem amanhã os partidos mais pequenos. Um deles em especial:_a Alternativa para a Alemanha (AfD), que se tornará no primeiro partido fundamentalmente nacionalista, xenófobo e racista a entrar no Bundestag nos mais de 70 anos que passaram desde o Nacional Socialismo. O seu sucesso – ou falta dele – não será apenas um importante barómetro para a força da nova extrema-direita alemã, mas também o critério que definirá o próximo governo. O_SPD, por exemplo, já está numa luta interna para saber se deve ou não revalidar a grande aliança que hoje tem com o partido conservador da chanceler e arriscar-se a sangrar ainda mais votos nos próximos quatro anos. Se a AfD acabar em terceiro lugar quase garante que Schulz não aceitará ir para o Governo e deixar os nacionalistas como principal força da oposição. «Muitos social-democratas considerá-lo-iam intolerável», explica ao Financial Times o politólogo Thorsten Faas, da Universidade de Mainz.

 

Força nacionalista

A acreditar na sondagem do Bild, é isso mesmo que vai acontecer. A AfD sofreu um aumento na tendência de voto nos últimos dias e ontem estava nos 13%, dois pontos à frente do partido de esquerda Die Linke. A chanceler já disse que não está disposta a negociar com qualquer um dos dois, mas os velhos parceiros ideológicos do partido liberal dificilmente conseguirão votos suficientes para completar uma aliança e, além do mais, já não estão tão próximos dos democratas cristãos como no passado. Uma alternativa ao SPD teria necessariamente passar por uma coligação entre Merkel, os liberais e os ecologistas dos Verdes – a chamada solução Jamaica –, mas ninguém parece apostar nesse cenário. Merkel, pesem todas as suas políticas ecologistas, não parece disposta a partilhar o poder com os Verdes, e estes, por sua vez, seriam um parceiro desconexo de um partido com o FDP.

Um cenário de ingovernabilidade, porém, pode atirar os social-democratas de novo para os braços de Merkel, mesmo tendo em conta o coro de vozes que, no_SPD, defende um regresso à oposição. Entre todas as conjeturas, este é o dado mais fiável:_o partido social-democrata está numa crise inesperada para quem na primavera chegou a parecer capaz de usurpar o poder. E Schulz, por todos os erros de campanha – o ex-presidente do Parlamento Europeu passou mais tempo a falar de quando liderava uma pequena localidade alemã do que da sua experiência em Bruxelas –, não explica tudo. O colunista do Financial Times, Wolfgang Munchau, defende, como muitos social-democratas, que o partido deve sair do Governo e repensar a sua identidade social-democrata, entretanto dissolvida em sucessivas alianças com conservadores: «O_que o SPD precisa agora é de um período de reflexão – longe do Governo. Esteve em executivos de coligação em 15 dos últimos 19 anos. Os seus líderes não tiveram oportunidade para pensar aprofundadamente sobre a globalização».