Alemanha. A chanceler é eterna, tudo o resto é dúvida

Merkel ganha perdendo. A chanceler não tem soluções fáceis de governo e já se fala de eleições antecipadas. Schulz teve um resultado desastroso e os nacionalistas estão de voltas. 

Angela Merkel vai ser chanceler por mais quatro anos e pela quarta vez consecutiva, mas as eleições legislativas deste domingo na Alemanha mudaram praticamente tudo o resto na maior economia europeia, que pode atravessar agora o período de instabilidade política de que se esquivou nos anos de crise. Os dois grandes partidos alemães do centro registaram este domingo os piores resultados desde o pós-guerra, os nacionalistas regressaram ao Parlamento pela primeira vez desde 1945 e Angela Merkel, mais popular e consensual do que alguma vez na sua carreira, não tem maioria nem parceiros evidentes com quem a formar. Esta noite havia quem falasse sem rodeios de que os alemães podem em breve regressar às urnas.

Merkel triunfou com clareza, mas os seus democratas-cristãos perderam um milhão de votos para as últimas eleições, já para não falar de vários pontos percentuais em relação às sondagens da última semana. Os partidos irmãos CDU e CSU rodavam este domingo os 33%, segundo as últimas projeções, à hora de fecho desta edição. O resultado é inferior à média de 36% atribuída aos democratas-cristãos há apenas alguns dias e a chanceler alemã não o escondeu uma certa resignação no seu discurso de vitória. “Esperava um resultado melhor, mas não fico desiludida”, disse Merkel, em Berlim. “Somos claramente o partido mais forte e nenhum outro pode construir um governo sem nós”, sentenciou.

Merkel, no entanto, tem muitos problemas em diante. Grande parte relacionados com a nova encarnação daquele que este domingo era, de longe, o maior derrotado da noite eleitoral alemã: Martin Schulz e o seu partido social-democrata, o SPD, que assegura que não fará uma vez mais governo com os conservadores e obriga Merkel a procurar soluções contraditórias e improváveis com os quarto e quinto partidos saídos das eleições: os liberais e os ecologistas – a formarem de facto executivo, os três tornariam realidade a chamada solução “Jamaica”.

Nenhum dos partidos excluiu este domingo esta solução no debate de líderes, o que era visto como um começo. Ao longo da emissão, Schulz falou já como um líder da oposição e atirou a todos os lados, desde a extrema-direita, que acabou em terceiro, aos britânicos do Brexit e à possível coligação. E isto depois de uma campanha em que Schulz praticamente não se lançou Merkel. “Um desempenho na defensiva, agressivo e estranho de Schulz”, escrevia este domingo o editor de assuntos internacionais da “Der Spiegel”, Mathieu von Rohr. “Parece um mau perdedor.”

Soluções?

A saída do SPD de possível parceiro de coligação deixa Merkel sem boas alternativas, mas dificilmente se podia antecipar outra coisa à luz dos resultados desastrosos do SPD. O partido não registou apenas o seu pior desempenho eleitoral do pós-guerra: piorou aquele que já havia sido o recorde negativo de 2009, quando somou apenas 23% – este domingo estava apenas nos 20,6%. Schulz reconheceu o dia negro e começou a desenhar-se em novas vestes: a do combatente a “um governo de contradições” e um guerreiro contra a extrema-direita.

A chanceler ainda tentou amenizar a sua derrota no debate de líderes, dizendo-lhe que arrefecesse os ânimos. “Falemos disto novamente amanhã”, afirmou Merkel, tendo ouvido, momentos antes, Schulz chamá-la um “aspirador ideológico”.

Se Schulz não arrefecer, as próximas semanas serão de negociações entre os partidos do modelo Jamaica. A convivência entre os três partidos não se adivinha fácil, uma vez que as políticas dos  ecologistas, muito de esquerda, dificilmente combinarão com os ideais conservadores da CSU ou com os desejos de uma economia mais desregulada defendida pelos Liberais. Estes, para além disso, tão-pouco são já os velhos parceiros ideológicos do partido de Merkel, que nos últimos meses se foi aproximando da posição do presidente francês Emmanuel Macron e da sua proposta de reforma da Zona Euro. O presidente dos Liberais, Christian Lindner, um dos grandes vencedores deste domingo começou já a traçar linhas difíceis. “Sessenta mil milhões de euros para a França ou Itália é inconcebível para nós”, disse, comentando a proposta de um orçamento do Euro de Macron.

Os próximos dias serão também de celebração para os nacionalistas do Alternativa para a Alemanha (AfD). Se o partido, na sua primeira versão eurocética, quase entrou no Bundestag, em 2013, este domingo quebrou todas as expectativas ao vencer quase 13%, o que fará dele não só o terceiro partido com maior representação parlamentar, mas também uma presença mais ou menos duradoura na paisagem política alemã – os fundos estatais a que pode ter agora acesso só o vão facilitar.

“Milhões de eleitores confiaram-nos a tarefa de uma oposição de fazer oposição construtiva no Parlamento”, lançou este domingo Alice Weidel, uma das mais famosas e recentes caras suavizantes de um partido que, na sua essência, é racista, xenófobo, anti-islão e profundamente antimigração.

Todos os partidos recusaram-se durante a campanha a colaborar com a AfD e este domingo, num protesto súbido, mais de mil manifestantes protestavam às portas da sede do partido, em Berlim.