«Há incerteza deliciosa» é uma afirmação que vi na Lx Factory, em Lisboa. Também a minha amiga Ana, no seu blogue «Céu Azul Entre Nuvens», já em 2009, publicou a fotografia de uma porta azul onde esta frase estava pintada a branco. Nessa altura, tratava-se de uma iniciativa de arte pública, intitulada Da Onda Magnética, dirigida pelo artista catalão Blai Mesa. Um dia, Lisboa acordou com várias portas degradadas misteriosamente pintadas de azul com frases poéticas… Tratou-se, afinal, de uma forma de intervenção inovadora, e que tanto intrigou Catarina Portas, que escreveu no Público sobre o assunto.
Ora, se, por vezes, a incerteza pode ser perturbadora, quando não se sabe como será o dia seguinte, se conseguiremos ou não obter trabalho, por exemplo; também pode ser inspiradora por ir buscar o que temos de melhor e nos levar a criativamente encontrar soluções, como as que muitas pessoas acabaram por descobrir ao criar empresas de serviços inovadores.
Assim, pois, há incertezas que podem ser deliciosas porque, enquanto esperamos, enquanto estamos na incerteza, podemos antecipar uma série de hipóteses, de possibilidades. Como afirma Alberto Caeiro: «verdade, mentira, certeza, incerteza o que são? / Já não é a mesma hora, nem a mesma gente, nem nada igual. / Ser real é isto.» E esse momento de espera e antecipação, esse momento real, pode ser delicioso porque nos permite viver uma série de hipotéticas situações, mesmo que nenhuma delas venha a concretizar-se.
Fazer um bolo e antecipar o seu sabor é uma incerteza deliciosa. Escrever uma carta e antecipar a reação do seu destinatário é uma incerteza deliciosa. Comprar um presente e antecipar os sentimentos que irá provocar na pessoa a quem o oferecemos é uma incerteza deliciosa. Fazer uma surpresa a alguém e antecipar a alegria que irá sentir é também uma incerteza deliciosa. E estes são apenas alguns exemplos de situações em que a incerteza e a antecipação do que dela resultará constituem momentos agradáveis.
É claro que, na maior parte das vezes, associamos a incerteza a sentimentos negativos. Até por culpa do próprio prefixo «in». Parece que falta qualquer coisa… Parece que, neste mundo, tão incerto, mais incertezas não podem ser positivas, seguindo a linha de raciocínio de D. Francisco Manuel de Melo: «Que farei logo, incerto em mundo incerto?».
Mas, o que pretende esta frase inscrita na parede é levar-nos a pensar de outro modo e a analisar as possibilidades positivas que existem, mesmo em algo em que, à partida, não conseguimos ver vantagens.
Muitas vezes, como já tenho referido, acabamos por ficar reféns do nosso quotidiano, da forma certa e regular como realizamos determinadas ações, da certeza e segurança que nos é dada por aquilo que sabemos que vai acontecer. Mas, sobretudo para os jovens, aqueles que estão mais despertos para o mundo e abertos a uma infinidade de possibilidades, qualquer foco de incerteza é encarado como um momento mais em que podem agir de forma diferente, em que podem reagir de modo distinto. Como diz a poeta brasileira Martha Medeiros: «Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz, / quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho»…
E é a incerteza e a criatividade que esta gera que nos levam a, de forma mais ousada, brincarmos com a experiência ou falta de experiência dos outros.
Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services