O governo espanhol disse que tudo faria ao seu alcance para travar o referendo catalão. E fizeram-no ao ponto de David Kaye e Alfred de Zayas, peritos do Conselho dos Direitos Humanos da ONU, terem alertado para os esforços “preocupantes” das autoridades espanholas para travar o referendo, que “parecem violar os direitos individuais fundamentais”. Os dois peritos referiram-se à detenção de 14 membros do governo autonómico, ao bloqueio de websites pró-referendo e à possibilidade de organizadores de manifestações serem acusados de sedição.
“Independentemente da legalidade do referendo, as autoridades espanholas têm de respeitar os direitos que são essenciais para as sociedades democráticas”, lê-se no comunicado dos especialistas em Direitos Humanos.
Madrid e os independentistas catalães preparam-se para o confronto que dizem não querer, mas que parece, agora, inevitável. Se os primeiros têm a lei, as instâncias judiciais e a repressão do seu lado, os segundos tentam mobilizar as ruas na defesa do referendo.
O governo central voltou ontem, pela voz do secretário de Estado da Segurança, José Antonio Nieto, a avisar que se o governo catalão “cumprir a ordem judicial [de cancelar o referendo] não tem de haver” uma resposta “violenta”. O governo está a organizar-se para essa eventualidade. Com as dúvidas sobre a lealdade constitucional dos Mossos d’Esquadra, a polícia catalã, Madrid aumentou o contingente policial destacado para a Catalunha para mais de 10 mil agentes, segundo avançou ontem o jornal “La Vanguardia”.
O aviso de medidas repressivas é mesmo para ser levado a sério e as denúncias de que o governo espanhol está a instaurar um Estado de excepção e um clima de medo são várias. Maria José Lecha, líder municipal do CUP, denunciou que o governo central “quer instaurar um ambiente de medo para as pessoas ficarem em casa” com um Estado de excepção não declarado. Porém, a deputada contrapõe que as forças policiais destacadas para a região “apenas se depararam com um povo tranquilo e convencido de que será a democracia a abrir as portas a uma nova democracia, rompendo com esta democracia e monarquia herdeiras do franquismo”.
Perante o “ambiente de medo” e as ameças, o CUP de Barcelona começou a criar vários comités de defesa do referendo nos bairros da cidade. O objetivo não é usar a violência, mas divulgar os locais de voto e proteger “os locais de voto de forma organizada” antes da polícia chegar para se “evitar um confronto direto”, disse Mireia Boya, deputada do CUP.
Os comités não estão sozinhos na defesa do referendo. Também os bombeiros catalães se ofereceram depois de se reunirem em assembleia para “fazerem de cordão de segurança a fim de garantir o desenvolvimento pacífico” das assembleias de voto, não deixando de criticar o governo central por “ataques aos direitos fundamentais levados a cabo nos últimos dias”.
Opinião que não é partilhada por cinco sindicatos das polícias espanholas. Estes apelaram aos Mossos d’Esquadra para “garantirem a convivência face à legalidade violada” e relembraram-nos de que “juraram prometer cumprir e fazer cumprir a Constituição como lei fundamental do Estado”. O apelo foi feito depois de Joaquim Forn, conselheiro do Interior da Generalitat, ter dito que os Mossos não fecharão as assembleias de voto caso haja risco de desordem pública: “Há um bem superior ao cumprimento da lei, a segurança dos cidadãos”.
Se a tensão já está suficientemente alta, tal não é motivo para Raul Romeva, conselheiro de Assuntos Externos da Generalitat, deixar de se pronunciar sobre o futuro da Catalunha caso o “sim” ganhe no referendo. “Se o sim ganhar implicará automaticamente o que prevê o referendo: que 48 horas depois ao anúncio dos resultados o parlamento fará uma declaração de independência e entrará em virgor a lei da transitoriedade”, afirmou. Declarações que contradizem Carles Puigdemont, presidente da Generalitat, que afirmou: “Não está em cima da mesa uma declaração unilateral de independência”.