Conheço Manuel Pizarro há alguns anos, enquanto governante e enquanto Deputado, altura em que fomos colegas. É uma pessoa afável, de discurso fluido e de ágil argumentação. É um político astuto, mais do que um homem de obra. Tem a arte de saber gerir as circunstâncias, mais do que agir sobre elas ou empreender trabalhosas empreitadas. Era um valor seguro do PS, apesar de não deslumbrar.
Os partidos fazem-se com naturais hierarquias de importância. Se é verdade que Pizarro nunca foi falado como putativo presidenciável, nunca se lhe conheceu grupo de apoio transversal ou a sua opinião fosse determinante para alterar o curso dos acontecimentos que o rodeavam, também é verdade que compunha capazmente o friso de reforço que suporta as figuras de primeira linha. Não havia, por isso, necessidade de o PS o conduzir à embaraçosa situação em que se encontra. Pizarro, enquanto figura de retaguarda, tinha créditos firmados; foi secretário de estado de um ministro de uma pasta sensível, foi vereador de um presidente de câmara que afirmou a sua cidade no quadro do país.
Sabemos que as máquinas dos grandes partidos se alimentam da distribuição do poder que alcançam pelos seus apaniguados; são os famosos jobs for the boys. Conhecemos, porque são públicas e publicadas, as guerras fratricidas no PS Porto. Compreendemos que o PS, depois da queda estrondosa de Fernando Gomes, não soube fazer o desmame da dependência do poder, da promiscuidade entre aparelho partidário e administração. Ainda hoje, a agressividade, a insolência com que os caciques locais se atiram a adversários internos e externos, revela um aparelho sedento e inconformado por não tocar no “bolo”. Ora, Rui Moreira nunca cedeu a esse aparelho, que não poupou esforços de sedução e aproximação, nem Pizarro teve margem, por condicionante superior, para satisfazer as ânsias do aparelho socialista.
Ainda assim, não encontrando papel para si em Lisboa, Pizarro cumpria no Porto o projecto político de um independente, enquanto mantinha, tanto quanto possível, mão na estrutura atribulada do PS Porto. Era isso ou nada, e isso era francamente melhor que nada. Só assim se compreendem declarações taxativas suas como “Seria incompreensível para as pessoas do Porto que protagonizasse uma candidatura contra o dr. Rui Moreira.”. Ou que afirmasse sem pestanejar "O PS faz uma avaliação muito positiva da governação autárquica de Rui Moreira e considero que ela tem contribuído para desenvolver a cidade e para a afirmar a região do Norte. E o PS tem orgulho na sua colaboração com Rui Moreira."
A história até aqui tinha tudo para correr bem. Foi natural e compreensível a insinuação, e mesmo pressão, que Pizarro e o PS fizeram para tentar ascender ao número dois da lista de vereação. Sempre se soube que Rui Moreira não prescindia de um independente para o segundo lugar, e que a questão das quotas atiraria Pizarro para o quarto lugar, no caso de o segundo da lista ser homem. Contudo, esta ambição é normal e aceitável segundo as regras deste jogo, e Pizarro, ciente das circunstâncias nunca fez depender a sua permanência do lugar que lhe calhasse na vereação.
Terminamos com o episódio conhecido da soberba de Ana Catarina Mendes e da tentativa de captura pelo PS da candidatura independente de Rui Moreira. Satisfaria o PS, pensariam estar em melhor posição para franquear as portas do município ao esfomeado aparelho socialista e aos amigos de ocasião. Como é de todos conhecido, esbarraram na teimosia de Rui Moreira; essa teimosia muito portuense de não comprar gato por lebre, forjada em anos de mais de embustes bem disfarçados do centralismo lisboeta. Após Rui Moreira afirmar que o segundo da sua lista seria em qualquer caso um independente, o PS bateu a porta com estrondo, deixando Pizarro entalado a meio caminho.
Disse uma vez um sábio que o Homem é dono dos seus silêncios e prisioneiro das suas palavras. Não fica bem por isso tentar Manuel Pizarro colar atabalhoadamente a candidatura independente de Rui Moreira a qualquer força política depois de ter afirmado sem dúvidas em maio deste ano que "não há nenhuma dúvida sobre a natureza independente da candidatura de Rui Moreira. Ganhou em 2013 como independente e percebo que não queira mudar de posição". Na mesma data, se calhar a tentar evitar que o PS caísse em tentação, diz convictamente que não via "nenhuma razão para não se continuar essa colaboração, colocando os interesses dos portuenses à frente de qualquer visão estreita de interesse partidário".
Pois é, o PS obrigou Pizarro a dar o dito por não dito em muito pouco tempo. Hoje, nas suas próprias palavras dá a cara à frente de um projecto de “visão estreita de interesse partidário", nega a avaliação que fez da liderança de Rui Moreira e desafia os Portuenses a compreenderem aquilo que considerava incompreensível: a sua candidatura contra o presidente que o dirigiu com a qualidade que lhe reconheceu até há poucos dias. A completar este quadro de delirante coerência e extravagante seriedade política, surge o apoio de Azeredo Lopes, o pressuroso e entusiasta ex-chefe de gabinete de Rui Moreira e actual ministro à espera de guia de marcha. Não, no Porto não vale tudo.
Raul Almeida