Barcelona espaço aéreo fechado até dia 2

Nas vésperas do referendo o conflito entre Madrid e Catalunha radicaliza-se. A polícia tem ordem para fechar as escolas e locais de voto a partir de sexta-feira. Milhares de pessoas vão acampar até ao referendo nesses edifícios.

Barcelona espaço aéreo fechado até dia 2

Aordem é clara, desde o dia 29 até o dia 2 de outubro, drones, avionetas e helicópteros estão proibidos de voar na região de Barcelona. Para Miriam Nogueiras, deputada do Partido Democrático da Catalunha (antiga Convergência i Union) nas cortes de Madrid, em declarações ao SOL, «a intenção é clara, é impedir que os meios de comunicação não possam filmar imagens aéreas dos milhões de pessoas que vão estar nas ruas para exercer o seu direito de voto».

Nos últimos dias multiplicaram-se as manifestações, foram os bombeiros que se colocaram simbolicamente em cima do Palau de Mar, um dos edifícios históricos da parte gótica da cidade, os milhares de estudantes que marcharam pelas ruas do centro, as muitas pessoas nas ruas que ostentavam bandeiras catalãs à laia de capa de super-herói.
Apesar do governo de Madrid e os tribunais terem proibido o referendo e todos os atos de campanha eleitoral, os principais partidos independentistas fizeram os seus comícios na noite de quinta-feira. No bairro operário de Poblenou, perante milhares de simpatizantes, um das porta-vozes da CUP, Anna Gabriel disse: «Se não nos deixam votar, de pouco serve que deixem falar deputados e deputadas. Se o Estado não permite que o povo possa expressar a sua vontade. Estaremos perante um autêntico golpe de Estado».

Os dados parecem lançados, mas ninguém sabe o resultado do dia 1. Apesar de os sindicatos dos diversos corpos policiais que estão colocados na Catalunha terem declarado que «não pretendem agredir as pessoas que se manifestem», as ordens da justiça, estão preto no branco: os agentes da autoridade têm como dever impedir a formação de mesas de voto,  identificar, para posterior acusação de sedição e desobediência, as pessoas que estejam a receber os votos, devem impedir a contagem dos sufrágios, e identificar também, para posterior procedimento judicial, as pessoas que estejam a tentar votar. 

O ambiente está pesado, várias pessoas que trabalham no comércio confirmaram ao SOL, que embora dia 1 de outubro seja um dos domingos que o comércio costuma estar aberto, grande parte das lojas vão estar fechadas, algumas apoiando a ida às urnas, e outras como os grandes centros comerciais, com receios de desacatos.
Os boatos e a paranoia parecem ter tomado conta de muitos órgãos de comunicação social e até das forças da ordem e poder judicial: centenas de camiões de pão foram revistados porque as autoridades temiam que o material para as eleições estivesse a ser transportado clandestinamente dessa forma. O diário El País garante que há uma conspiração de Putin e dos serviços secretos russos para fazer com que a Catalunha saia de Espanha e da União Europeia, enfraquecendo assim o flanco sul da NATO.

No meio disto, o responsável de comunicação da Assembleia Nacional da Catalunha – o movimento social que mobilizou milhões de pessoas a favor do referendo e independência nos últimos cinco anos –, Adrian Alsina, filho de mãe portuguesa, diz ao SOL que ninguém pode prever exatamente aquilo que vai suceder no dia 1. «Mas ao contrário do que afirmou Madrid, houve milhares de atos de campanha, há locais de votos, há boletins de votos, há observadores internacionais e qualquer cidadão pode fiscalizar as contagens, há centenas de jornalistas do mundo inteiro, e se depois de contados os votos, milhões tiverem votado e o ‘sim’ tiver ganho, há o compromisso do governo e do parlamento da Catalunha proclamarem a independência.»

O jardim zoológico do parlamento catalão

Ir ao parlamento da Catalunha é uma experiência e tanto, dentro do terreno da sede da democracia está também o jardim zoológico. Quando comento o facto ao taxista, ele sorri e diz: «olhe que aqui, como em muitos países, os animais às vezes encontram-se dentro do parlamento». O plenário encontra-se quase encerrado. As comissões de trabalho fechadas, mas os deputados do Ciudadanos, que se opõem ao referendo, continuam a ocupar o seu posto de trabalho.

A deputada Sonia Sierra afirma ao SOL que nunca mas nunca poderá aceitar um referendo ilegal. E que não é possível fazer uma democracia violando as leis de todos. «A legalidade é o garante que os cidadãos não são vítimas dos governantes de turno». Os independentistas estão a querer partir Espanha acicatando ódios e uma falsa divisão entre as pessoas. Garante que há uma imensa maioria silenciosa que é contra os independentistas: «mais de 70% das pessoas daqui afirmam-se nas sondagens como espanholas e também como catalães». Quando lhe lembro que há sondagens que também dizem que 80% dos catalães são favoráveis ao direito dos catalães decidirem se querem ser independentes, responde com graça que há sondagens e sondagens, «a maioria também diz que vê  documentários na televisão sobre animais, e o que veem são programas de telelixo». 

Na sexta-feira, nos últimos pronunciamentos das pessoas, centenas de tratores desfilaram pelas ruas de Barcelona com bandeiras independentistas. Há helicópteros da Guarda Civil a sobrevoar o céu da cidade. Ouve-se o bater das hélices em muitas zonas. Nas redes sociais, o defesa do Barcelona Gerard Piqué deixa um apelo ao voto, mas pede calma: «Expressemo-nos pacificamente. Não lhes vamos dar desculpas. É preciso votar e cantar bem alto e forte a nossa vontade».

Enquanto passeava, cruzei-me com quatro raparigas, três levavam, à laia de capa, a bandeira independentista estrelada catalã e uma delas a espanhola. Respondeu-me esta última: «faço-o, com as minhas amigas, porque esta é a minha opinião. Se tivesse idade quereria um referendo para dizer que quero ser espanhola», isto dito, perante as piadas das outras amigas. Vamos ver se no domingo vai ser assim o tom.

Adrian Alsina, o descendente de portugueses, que é um dos organizadores da Assembleia Nacional da Catalunha, tem essa esperança: «Espero que os Mossos de Esquadra defendam a paz e que os polícias que veem de outros lados de fora da Catalunha percebam que este é um ato pacífico de um povo a escolher o seu destino».