Mireia Castill tem 46 anos e vive em Lisboa desde agosto de 2015. É médica patologista e trabalha na Fundação Champalimaud, onde faz investigação na área do cancro. Natural de Barcelona, está a acompanhar atentamente o que por estes dias se passa na Catalunha. “Acho que nós não temos medo”, diz, ao falar sobre as medidas do governo espanhol para travar o referendo catalão. “Nos anos 70, na altura do franquismo, os meus pais fugiam da polícia e agora não têm medo nenhum, dizem que isto não é nada comparado com o que eles sofreram nessa altura”, conta.
Em vésperas do referendo, o governo espanhol decidiu aumentar para 10 mil o número de agentes do contingente policial destacado para a Catalunha. Tudo para impedir a realização do escrutínio sobre a independência, marcado para este domingo, dia que está a ser marcado por uma forte repressão policial e centenas de feridos. Ao i, no final da semana, Mireia Castill considerava que o povo catalão é “bastante pacífico” e que “precisa de muitos problemas para ser violento”. E não tinha dúvidas sobre o que estava para vir: “apesar desta reação do governo espanhol, acho que os catalães vão sair à rua em peso”.
Outro catalão, Natxo Checa, expressava a mesma ideia. “É óbvio que no domingo as pessoas vão sair à rua”, disse ao i no final da semana um dos fundadores da famosa ZDB – Galeria Zé dos Bois, nascido em Barcelona. Vive em Portugal há 30 anos, mas também ele está a acompanhar de perto a tensão – afinal, sente-se catalão e toda a família é catalã. E aos seus olhos, “a situação descontrolou-se com o Governo de Madrid a atacar a regra básica da Democracia: o direito ao voto”.
Nem Mireia Castill nem Natxo Checa questionam a realização do referendo. Para os dois catalães, o referendo deve ser feito. Mireia Castill lembra que “há muitos anos que o problema político catalão existe”, e por isso, mais do que “se a Catalunha vai ou não ser independente”, a questão importante é “haver a possibilidade de os cidadãos puderem dizer o que querem”. Depois, logo se vê. Certo é que o referendo, como assinala Natxo Checa, “por ter sido interditado e reprimido pelo governo conservador e nacionalista do PP, vai ter um valor simbólico e consequências muito superiores ao que alguma vez se pensou”.
É também assim que pensa Sílvia Rustullet, que vive em Lisboa há quatro anos. A linguista de 32 anos, nasceu na cidade catalã de Olot, situada a norte de Barcelona. No seu ponto de vista, o governo está a atuar “de uma forma desproporcionada e exagerada”. Quanto ao referendo, considera-o “um direito de qualquer povo”, apesar de reconhecer a ilegalidade de todo o processo.
“Não havia mais nenhuma forma, o Estado espanhol sempre nos negou tudo”, acusa. Recorde-se que o referendo foi declarado ilegal pelo Tribunal Constitucional espanhol, mas nem isso levou o governo catalão a recuar – na quinta-feira, voltou a garantir a intenção de realizar o referendo.
Independência: sim ou não?
Apesar da pressão a que se tem assistido para que o referendo se realize, a verdade é que o resultado é incerto. Há muitas pessoas que não querem a independência. Até porque, como nota Sílvia, particularmente em Barcelona, onde vivem 1,6 milhões de pessoas – a Catalunha tem uma população total de 7,5 milhões – “há muita imigração vinda do resto de Espanha”.
Tanto Mireia como Sílvia são a favor da independência da Catalunha. Isto porque, para Sílvia, a Catalunha tem “um sentimento de povo muito forte”, com “língua, cultura e tradições” próprias. “Não nos identificamos com os touros nem com as sevilhanas”, exemplifica.
A catalã aponta ainda que “Espanha em si é feita de muitas pequenas diferenças” e de identidades diferentes. Se assim não fosse, talvez fizesse sentido englobar tudo e “fazer uma nação espanhola”. Mas, como não é isso que acontece, “defendo a independência”, confessa.
Mireia vai mais longe e acusa mesmo o governo espanhol de não deixar que o referendo se realize por acreditar “que o sim vai ganhar”, o que representaria uma ameaça.
Já Natxo é mais cauteloso e acredita que ser ou não a favor da independência é uma decisão que requer uma reflexão profunda – e privada. Mas também este catalão-português nota que “Espanha é um aglomerado” de diferentes identidades culturais. Resta, então, esperar para ver o resultado do referendo, e o que isso poderá significar.
Artigo editado por Marta F. Reis