Juan Carlos. O rei abdicou do trono mas não da paixão pelo mar

Aos 79 anos, Juan Carlos I de Espanha sagrou-se pela primeira vez campeão mundial de vela. Foram 45 anos à espera de um momento assim, depois de uma participação modesta nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972. Abdicou da coroa em prol do filho, mas da vela não irá prescindir jamais.

Bribón Movistar sagrou-se campeão mundial de vela na divisão de clássicos Classe 6 metros, ao manter a liderança da competição na prova que se realizou em Vancouver, Canadá. Uma curiosidade que significaria pouco mais do que isso, não fosse um detalhe: a tripulação foi liderada por Juan Carlos, cujo nome era até há pouco tempo precedido de um «Don» e seguido de um «I». Esse mesmo: o Rei emérito de Espanha.

Aos 79 anos, o homem que abdicou do trono em 2014 para dar lugar ao filho Felipe, conquistou o seu primeiro título mundial, recheando ainda mais um palmarés já bastante vasto: foi 12 vezes campeão da Copa de Espanha, 11 vezes vencedor do Troféu Conde de Godó e seis vezes vencedor da Copa do Rei, entre outros triunfos importantes. Juan Carlos chegou mesmo a participar nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, já como Rei de Espanha – terminou em 15º.

Uma paixão que vem de longe, mas que teve início… em Portugal, cenário propiciado pelo facto de Juan Carlos Alfonso Víctor María de Borbón y Borbón-Dos Sicilias ter vivido com os pais, os condes de Barcelona, no Estoril – onde ainda hoje a família real espanhola mantém uma residência. A sua primeira prova, de resto, foi realizada logo aos 11 anos, vencendo uma regata que ligou Lisboa a Sesimbra – episódio narrado no livro ‘O Rei e o Mar’, da autoria do jornalista Ignacio Gómez-Zarzuela, editado em 2012.

 

A vela corre no sangue real

De 1949 até aos dias de hoje, a paixão de Juan Carlos pela vela nunca parou de crescer. Abrandou em 2011, devido ao agravamento do estado de saúde do então ainda Rei de Espanha em exercício, mas nem assim ditou um ponto final na atividade – o monarca continuou a competir em provas menos exigentes do ponto de vista físico, como as regatas organizadas pelo Real Club Náutico de Sanxenxo, em Pontevedra.

Foi operado duas vezes à anca. Para lhe garantir mais conforto, o Bribón Movistar foi adaptado em 2015, de modo a que mal precise de se mover dentro do veleiro. Desde então, Juan Carlos não parou: é verdade que necessita de ajuda até para entrar no barco, mas assim que chega ao leme, assume em pleno as funções de comandante de uma embarcação de 11,25 metros de comprimento, seis de altura e um peso de 3,5 toneladas.

Para esta competição, aguentou 13 dias de treino e muitas horas de prova num torneio difícil, ventoso e disputado até à última por 21 veleiros oriundos dos mais diversos países do mundo. O Bribón Movistar venceu apenas uma das oito regatas em que participou, mas os pontos amealhados ao longo da prova valeram-lhe a vitória à frente de uma embarcação norte-americana e outra brasileira. No fim, confessou ter esperado por este momento durante 45 anos, depois de ter ficado bem longe das medalhas em Alemanha’72.

O amor de Juan Carlos pela vela, de resto, foi passado também aos filhos Felipe e Cristina. Felipe, o atual Rei de Espanha, chegou mesmo a ser campeão nacional na classe Soling em 1989 e 1990, tendo ainda conquistado um quinto lugar no Mundial da mesma categoria. Uma posição que lhe garantiu a participação nas Olimpíadas de Barcelona, em 1992, 20 anos depois da presença do pai em Munique. Nos Jogos Olímpicos disputados ‘em casa’, Felipe foi o porta-estandarte de Espanha, repetindo o que havia sucedido quatro anos antes com a irmã Cristina em Seul – também integrante da equipa espanhola que participou na prova de vela do evento –, e terminou a sua participação com um diploma pelo sexto lugar alcançado.

«Não é estranho que a nossa família tenha escolhido a vela como desporto de competição. O Rei [Felipe], a infanta Cristina e eu próprio tivemos a honra de participar em diversas edições de Jogos Olímpicos como integrantes da equipa espanhola de vela competindo em diversas classes de barcos. Também entre nós a vela serviu sempre para manter e alimentar um saudável espírito competitivo familiar», confessou Juan Carlos no supra-citado livro ‘O Rei e o Mar’, de Ignacio Gómez-Zarzuela.

Recentemente, um tripulante da equipa de Juan Carlos revelou, numa entrevista à Agência EFE, uma de muitas das histórias nas aventuras do Rei emérito espanhol no mar. «Durante uma regata em que apanhámos vento muito forte, Don Juan Carlos sofreu um pequeno acidente numa mão e começou a sangrar. Toda a tripulação ficou paralisada, as manobras foram interrompidas e os outros barcos ultrapassaram-nos rapidamente. Estávamos preocupados. De repente, o Rei começou aos berros a dizer: ‘O que se passa? Estão à espera de ver sangue azul a sair da minha mão? Voltem para os vossos postos e vamos embora!’».

Nos meandros da modalidade, de resto, diz-se ainda que terá sido Juan Carlos a impedir que Cascais tivesse sido o anfitrião da America’s Cup em 2007, movendo influências para que a maior competição de vela do mundo se realizasse antes em Valência – normalmente, o evento decorre no país de onde é natural a equipa vencedora, mas em 2007 e 2010 venceu uma embarcação suíça… e a Suíça não tem mar, pelo que nessas edições a organização teve de sortear o anfitrião. A candidatura de Cascais era apontada como forte, mas a verdade é que foi mesmo Valência a cidade escolhida. Não será fácil confirmar a veracidade desta história, mas com Juan Carlos tudo é possível…