Estávamos a chegar de carro a um parque infantil quando vimos uma menina de cerca de onze anos a vir no nosso sentido no meio da estrada. O meu marido ainda lhe disse: «Devias ir pelo passeio». Na altura pensei que talvez morasse ali perto e estivesse acostumada a fazer aquele caminho. Estacionámos o carro e menos de um minuto depois vejo uma senhora desesperada chamar alguém. «Uma menina? Foi por ali». E apontei. Passado pouco tempo regressam as duas. «É que ela tem autismo e gosta muito de ir àquela mercearia. Era para lá que se dirigia». Olhei para o meu marido. Por momentos vivemos a angústia daquela mãe.
No dia seguinte, quando ia com os meus filhos a um outro parque, a seguir a uma curva deparo-me com um bando de miúdos em bicicletas a virem no meio da estrada, mais uma vez na nossa direção. Travo a fundo. Levo as mãos à cabeça. Pensei no que poderia dizer-lhes para que percebessem que jamais poderiam andar naquelas condições. Mas era difícil. Pela expressão deles vi que os que vinham mais à frente no momento em que me viram se assustaram a sério mas logo a seguir voltavam a ser uns campeões engraçados que tinham pregado um susto a alguém mais velho. Voltariam a repetir e não teriam ninguém que os fizesse ver a inconsciência da brincadeira.
São duas situações diferentes mas que me remeteram para o mesmo sentimento: o que os pais destas crianças sentiriam se algo mau tivesse acontecido.
Por coincidência, nos últimos dias tivemos também duas notícias angustiantes. A de uma menina que foi colhida por um comboio e outra de um menino que caiu do 3.º andar. Ambas com o pior desfecho possível. Nos dois casos as mães foram detidas pela PJ para investigação.
Naturalmente estes acontecimentos têm de ser averiguados com muita seriedade, mas em ambos nunca pensei que as mães o tivessem feito propositadamente ou por desleixo, tal como se veio a confirmar. Também não imaginei pior cenário, a seguir a um acontecimento trágico como este, do que uma mãe ser sujeita a estar fechada num sítio estranho, com pessoas estranhas, a inquiri-la acerca de um acontecimento de que ainda nem ela conseguiu nem quererá tomar consciência.
Muitas vezes depois de fatalidades como estas ouvimos acusações fortíssimas aos pais. Quem as faz esquece-se que as crianças são peritas na arte da fuga, em segundos somem da nossa vista, e mesmo a pessoa mais zelosa tem dificuldade em vigiá-las constantemente.
É por isso que no último dia de férias respirei fundo e agradeci a todas as divindades. Mais de dois meses depois de parques, praias, piscinas e passeios os meus filhos estavam sãos e salvos. Nada nas férias foi mais cansativo do que o stresse de os ter constantemente debaixo de olho, a correrem em diferentes direções, com cada um a exigir que olhasse de dois em dois segundos para ver as suas proezas.
Excetuando casos muito particulares, é injusto e cruel acusar um pai de desleixo quando alguma coisa corre mal, ainda mais sem conhecer as circunstâncias. E não haverá no mundo pior castigo do que o de perder um filho que estava sob a nossa responsabilidade.