Conseguir a ‘cacha’, dar primeiro a notícia e em exclusivo, é uma ambição de qualquer jornalista e uma mais-valia para o meio de comunicação social onde trabalha. O tempo sempre condicionou o trabalho jornalístico. Nas redações, vive-se o dia-a-dia em função do deadline.
Num diário esse ‘limite de morte’ tem no máximo 24 horas, nas rádios e televisões decompõe-se nos horários dos noticiários. E no digital? A informação online rege-se por regras diferentes. A qualquer instante é possível dar uma notícia. O prazo de entrega é o agora, não há que esperar pela impressão do jornal ou o início do alinhamento.
Este admirável mundo (já não tão) novo representa uma pressão suplementar sobre o trabalho jornalístico. Aboliu as balizas temporais que, de alguma forma, organizavam a investigação e a redação das peças. Por mais curto que esse intervalo fosse, existia. Agora, pode-se dar já a informação e desenvolver ou alterar depois. E assim nasce a ‘notícia corrigida’.
Este quotidiano do jornalismo digital encerra a perversidade de reduzir a importância dada à verificação dos factos. Cruzar dados, ouvir fontes, reler, confirmar, são tudo operações que levam tempo e deixam o agora à espera. Para quê verificar? Publique-se e, se for necessário, emende-se depois.
Os erros num jornal em papel perpetuam-se em arquivo na Biblioteca Nacional. Talvez seja de pensar duas vezes antes de optar por não verificar uma informação… Agora, no digital? Sem problema, avance-se!
Esta prática muito tentadora põe em causa a credibilidade de quem assina a notícia. Como confiar num jornalista que emenda e volta a emendar o trabalho realizado? Afinal, o que era facto deixou de o ser 15 minutos mais tarde?
Mas será que o profissional dos média deve preocupar-se? Se a correção foi rápida, terá alguém dado por isso? Quando se entrega a uma plataforma digital aberta um texto, som ou imagem nunca se sabe o que vai acontecer. No segundo seguinte, do outro lado do mundo, alguém pode gostar do que acabou de entrar ‘no ar’. Faz download, guarda, e cristaliza o erro num ficheiro que pode ser partilhado.
Se o disparate é grande, rapidamente chega às redes sociais. Não interessa que já tenha sido emendado. Nada impede o original por corrigir de circular e ser alvo de ridículo. Perde o autor da obra? Sim, claro. Mas perde também o jornalismo. Numa profissão sob permanente escrutínio público, os atos de um contaminam a imagem dos outros. E como da qualidade do jornalismo depende a qualidade da democracia, perdemos todos.
*Professora da Universidade Lusófona