Alice Weidel é em quase todos os sentidos o arquétipo do alemão cosmopolita e liberal que por estes dias menciona a ascensão do partido nacionalista com vergonha e preocupação. Nasceu na República Federal Alemã, sob um sistema fundado na recordação constante do passado nazi, dos horrores do Holocausto e de como à Alemanha, mais do que qualquer outro país, cabe uma postura moral, contida, multicultural e, acima de tudo, humanista. E lá nasceu não há muito tempo, em fevereiro de 1979, lá estudou e obteve sucesso escolar – foi a melhor do seu ano na Universidade de Bayreuth – e lá se graduou em Economia e Gestão. Dali, ainda muito jovem, partiu para a China, onde trabalhou e viveu por seis anos e aprendeu a falar mandarim. Regressou à Alemanha para terminar o doutoramento em Economia com uma bolsa vinda de um instituto dos democratas cristãos que hoje lidera Angela Merkel – até aqui, visto de longe, o único traço de conservadorismo em Weidel. Passou pela Goldman Sachs, por uma série de empregos no setor privado e, pelo caminho, entrou em união de facto com a sua companheira, que nasceu no Siri-Lanka e com quem adotou dois filhos. Aqui parece estar descrita uma breve biografia de uma militante cosmopolita, lésbica, com 38 anos e um pé na Suíça, a nacionalidade da sua companheira, e outro na Alemanha, gozando das fronteiras abertas que a Europa concede aos seus habitantes. Só que no domingo passado Weidel celebrava a vitória por proporções inesperadas do Alternativa para a Alemanha (AfD), o partido racista, xenófobo, homofóbico, antimigração e globalização, aberta e violentamente islamofóbico que Weidel já ao lado do incendiário Alexander Gauland.
Weidel é um mistério para a maioria dos liberais alemães, que nela veem os mesmos traços de cosmopolitismo que existem em si e a cultura globalista contra a qual a AfD promete batalhar com os mais de 90 assentos que conquistou no Bundestag – pela primeira vez desde o fim da II Guerra Mundial há um partido nacionalista no Parlamento alemão. É verdade que Alice Weidel entrou no partido quando este ainda era sobretudo uma formação antieuropeia, formada em 2013 contra os milhares de milhões de euros que dizia estarem a ser desperdiçados em resgates à Grécia, Portugal, Irlanda ou Chipre. Mas quando o partido sofreu a sua grande encarnação nacionalista, há pouco mais de dois anos, alimentando-se dos alemães alarmados pela chegada de centenas de milhares de pessoas acima de tudo vindas do Médio Oriente para fugir à guerra e à pobreza, Weidel mudou com ele. É por estes dias uma das duas grandes caras do partido, ao cabo de uma meteórica ascensão ao longo da campanha, quando ela e Gauland foram escolhidos para substituir a verdadeira presidente do partido, Frauke Petry, descontente com o rumo nacionalista da AfD e não disponível para ser a sua cara – ela anunciou esta semana a demissão, mas vai para o Bundestag a título de deputada independente.
Da dupla Weidel-Gauland, é ela visivelmente a mais moderada. Não entra nas tiradas controversas do dirigente mais velho, que tomou o partido de Björn Höcke quando este disse que a Alemanha era o único país a erguer um «monumento à vergonha» na sua capital, falando do Memorial ao Holocausto. Ou quando disse, mais recentemente, que uma ministra de ascendência turca devia ser afastada do Governo de Merkel por dizer que a Alemanha não tem uma cultura definida. Weidel escolhe um tom mais sereno, nunca se irrita em entrevistas – embora já tivesse abandonado algumas – e prefere falar da vaga de imigração descontrolada, de como o islão é incompatível com a tradição ocidental, da necessidade de construir prisões no norte de África para «imigrantes criminosos» e dos abusos da política de imigração de Merkel. Sobre a II Guerra Mundial, Weidel nada diz. Mas tão-pouco censura quem o faz à sua volta. «É uma questão de gosto», disse recentemente, «não vejo utilidade nas tiradas nacionalistas».
Weidel não faz igualmente muito caso da política homofóbica do seu partido, que quis processar Merkel no momento em que a chanceler fez aprovar o casamento para todos. Diz que não é o assunto mais urgente no país e afirma que, havendo uniões civis, não há grande necessidade de avançar com o matrimónio. Abandonada nesta crisálida, Weidel continuaria a ser uma interrogação para muitos liberais. Talvez os ajude um email recentemente publicado pelo jornal Welt am Sonntag e escrito em 2013 pela nova cara da AfD a um amigo próximo com várias alusões a termos populares no nacional-socialismo. «A razão pela qual fomos invadidos por estrangeiros culturais como os árabes, sinti [ciganos de origem germânica] e roma é a destruição sistemática da sociedade civil como um possível contrapeso por parte de inimigos da Constituição pelos quais somos governados».