Estar à espera ou procurar
Nem vítima, nem réu. Tiago Bettencourt tem passado uma vida a tentar despir a camisa burguesa de varas cunhada pela classe média alta lisboeta mas em “A Procura” não há vítima nem réu. Apenas um escritor de canções agridoces finalmente a descobrir que o mais inteligente era contornar o obstáculo e amplificar a voz que vem de dentro, antes de escutar o burburinho da urbe socialmente bem classificada. Há vários sucedâneos de B Fachada sem um avo do jeito de Tiago Bettencourt para pôr em palavras a vida. Por isso, a primeira vitória deste álbum é o de traduzi-lo sem rodeios nem subterfúgios. O baladeiro, o renegado, o abastado, o desmazelado, o lavado, o romântico, o sedutor, o vitorioso e o derrotado. Como sempre, como dantes mas agora sem medo de mergulhar na água fria. “Se me deixasses ser” são os War On Drugs filtrados pela consola dos Phoenix, “Diz sim” é a balada para partir corações em que se especializou e “Ao Longe” a dedicatória a um romance de uma noite no Douro que quase sempre se faz ao Tejo. Davide Pinheiro
Diamante lisboeta
Há dez anos, os Buraka Som Sistema viajavam em classe económica no mesmo porão multicultural de M.I.A., Cansei de Ser Sexy e Bonde do Rolê. A história é conhecida mas convém recapitulá-la para se compreender a diferença para “Enchufada na Zona”. Há uma década, os BSS batalhavam pela inclusão de Lisboa no mapa. A missão nem sempre foi compreendida para cá de Vilar Formoso porque a batida dos Buraka era demasiado acelerada e progressista para ouvidos médios caucasianos mas valeu a pena. A mensagem da Enchufada é cada vez mais clara para mais gente e agora são produtores como os londrinos Mina e Poté a bater à porta de Branko para receberem a chancela da Enchufada. Dessa Lisboa multicultural, desejada e cobiçada faz eco “Enchufada na Zona”, álbum de uma família em crescimento “de Lisboa para o mundo” como os Buraka Som Sistema sempre sonharam. Só que agora, já não precisam de convencer que estes mundos são válidos. E se alguém duvidar, o melhor é ir hoje à festa de lançamento no Estúdio TimeOut. D.P.
Maior que a música
Benjamin Clementine é, de facto, alguém raro. Além de todas as características que o tornam especial, é uma excepção à universalização do gosto reformada pela Internet. Em Inglaterra, venceu o Mercury Prize mas está longe de ser um Oscar Wilde ou uma Agatha Christie. Em Portugal, foi elevado ao estatuto sacrossanto dos imortais. Ou quase. Como no inaugural e revelador “At Least For Town”, Clementine toca no coração dos românticos e utópicos. Dos que acreditam que as palavras não falam sozinhas. Este Benjamin Clementine esguio e longilíneo consegue está para além dos seus limites e consegue ser vários em um só: o poeta, o declamador, o personagem da vida real, o autor e o intérprete. A todas elas falta uma camada essencial para cimentar a autobiografia sonora: a musical. Ele é muito grande, a história ainda maior, a veracidade inatacável e a emoção cortante mas a Clementine ainda falta punhado de canções para completar o circuito entre vida, figura e obra. “I Tell a Fly” recusa o atalho mais próximo mas perde-se várias vezes nas rotundas. D. P.