Coloridas flores de plástico, elásticos para o cabelo, árvores de Natal com neve e sem neve, luzes, bolas de insuflar, chapéus-de-chuva, luzes e mais luzes festivas, de Yiwu, cidade de 1,2 milhões de habitantes na província de Zhejiang, saem 1,8 milhões de produtos para serem revendidos em todo o mundo com a marca Made in China. Um império do plástico que foi batizado como “o maior mercado de pequenas mercadorias do mundo”, nomeadamente no estudo de Mark Jacobs editado em livro o ano passado: “Yiwu, China: A Study of the World’s Largest Small Commodities Market”.
Cidade entreposto, 300 quilómetros a sul de Xangai, tornou-se um centro comercial extenso que atrai cada vez mais compradores de todo o mundo, interessados em adquirir tudo o que precisam em apenas um lugar sem necessidade de se deslocarem a mais locais na China. Os 5,5 milhões de metros quadrados de lojas e postos de venda da Yiwu International Trade City garantem isso. É um centro comercial chinês (com o tamanho de quase 46 centros comerciais Colombo ou quase 55 Mar Shoppings) virado para o mundo que, por exemplo, fornece 70% das decorações de Natal que se vendem no planeta. É muito provável que 60% das bugigangas que se vendem na loja chinesa da esquina da sua casa venham daqui. De palitos dos dentes a malas de senhora.
Além da compra direta no local, Yiwu também permite adquirir mercadoria online, um negócio que prospera a passos largos. O ano passado as 255 mil lojas de Yiwu na internet faturaram qualquer coisa como 26,5 mil milhões de dólares. E a tendência é crescer.
A cidade organiza todos os anos a sua Feira Internacional de Bens de Consumo. A 23ª edição realiza-se entre 21 e 25 deste mês. Para se perceber a dimensão gigantesca, diga-se que a do ano passado contou com a presença de 63.160 compradores estrangeiros provenientes de 171 países e regiões. A faturação foi de 2640 milhões de dólares, representando um aumento de 1,8% face a 2015. Entre os 100 mercados chineses de pequenas mercadorias, Yiwu está no topo há seis anos consecutivos. As Nações Unidas, Banco Mundial, Morgan Stanley classificam-no como o “maior mercado de pequenas mercadorias do mundo”.
Yiwu também é capital da contrafação, uma espécie de “Wall Street para a indústria da contrafação”, como lhe chamava Tim Phillips em 2005, numa altura em que já se vendiam 100 mil produtos falsificados. Hoje são muito mais. Versões baratas de produtos caros que se juntam aos produtos baratos originais. Tudo artificial como a luz que ilumina a Cidade do Comércio.
É Natal
Sem um único pinheiro, nem floco de neve, Yiwu dedica-se ao Natal como nenhuma outra cidade do mundo. Mais de 600 fábricas produzem quase tudo o que o mundo necessita para celebrar a quadra natalícia, desde os gorros vermelhos brancos até aos pais Natal, passando pelas árvores de pequena ou grande envergadura, com e sem neve.
Tudo o que é natalino ocupa um distrito dos cinco em que está dividido o Yiwu International Trade City e é um infindável pulsar de luzes LED a piscar, de tecido vermelho, de meias de diferentes tamanhos para decorar a chaminé ou a árvore.
Um Natal a preços baixos feito com o trabalho das centenas de fábricas que empregam trabalhadores em jornadas laborais extensas em troca de ordenados baixos – quem vende também passa o dia inteiro, das oito da manhã às dez da noite atrás de um balcão por entre a luz artificial. Que, no entanto, também começa a sentir o impacto de maiores exigências salariais dos funcionários.
Talvez, por isso, para abaratar custos e cortar nos tempos de entrega, Yiwu inaugurou rotas ferroviárias para várias cidades europeias, de modo a poder enviar os seus contentores por outra via que não a marítima (mais demorada) e a aérea (mais dispendiosa). O transporte ferroviário ainda é relativamente pequeno quando comparado com o marítimo, via preferida para o escoamento dos produtos.
Em Setembro, partiu o primeiro comboio para Praga, estabelecendo assim a nona rota europeia para onde são enviados os produtos de Yiwu diretamente de comboio. Em declarações ao “China Daily”, Jin Gengzhong, vice-diretor de gestão de logística do porto terrestre de Yiwu, afirmou que pretendem estabelecer um centro de distribuição na República Checa e outro em Espanha.
Yiwu está a seguir a tendência chinesa de usar cada vez mais o comboio como meio de transporte de mercadorias, para diminuir custos e reduzir a pegada ecológica. À medida que a nova Rota da Seda promovida pelo presidente Xi Jinping se desenvolve, o peso da ferrovia vai aumentando. Nos últimos cinco anos, 5500 comboios de carga ligaram cidades chinesas a europeias, de acordo com informações avançadas pela China Central Television (CCTV) – por esta altura, a China tem 51 rotas de comboios de carga para a Europa, ligando 28 cidades chinesas a 29 cidades de 11 países europeus. Em Yiwu, o transporte de mercadorias pela linha férrea cresce todos os anos e em 2016 chegou a três mil milhões de yuans, qualquer coisa como 384 milhões de euros.
Tudo começou em 1982
Pequena cidade de agricultores situada 100 quilómetros a sul de Hangzhou, a capital da província de Zhejian, começou a transformar-se no mercado que é hoje a partir de 1982, quando o governo local colocou uma placa de cimento sobre uma vala e instalou aí 700 postos de venda de produtos. Com o mercado desenvolveu-se a cidade que em 2001 já figurava entre as 20 principais da China em matéria económica.
Hoje é uma cidade próspera, com um estádio olímpico e uma vasta comunidade estrangeira – sobretudo de intermediários e exportadores de produtos para o Médio Oriente e África. Em Março, numa reportagem financiada pela The Rockfeller Foundation, Helen Roxburgh falava no “Guardian” de uma urbe que parece servir de cobaia para a multiculturalidade. Uma mistura de comunidades, religiões que a transformam num cadinho para a experiência de interculturalidade na China. “O governo da cidade está empenhado em fornecer o melhor ambiente para a comunidade estrangeira viver, trabalhar e fazer os seus negócios”, disse o vice-presidente da câmara da cidade, Xiong Tao, ao jornal britânico.
Mas há comerciantes que falam numa escalada das tensões raciais, sobretudo em relação aos muçulmanos. O que reflete também a forma tensa como os chineses lidam com as suas comunidades muçulmanas uigures e huis. Em 2012, houve uma série de raptos de comerciantes indianos relacionados com uma disputa de negócios que levou a embaixada da Índia a emitir um conselho para não se fazerem negócios em Yiwu.
A câmara contratou agora três “inspetores de rua”, da Colômbia e Azerbaijão, para ajudar os estrangeiros com problemas de comunicação e de tráfico. O colombiano Hugo Sazon, que gere um restaurante na cidade desde 2013, ficou encarregue de uma das artérias, a Changchun. Tal como faz outro colombiano, Fábio, que tem um filho a estudar na Universidade de Zhejiang, na avenida Chengxin. Enquanto o azeri Babayev Asif, dono de uma empresa de comércio desde 2010, ficou encarregue da Labour North Road. Tudo artérias perto da Trade City.
Todos os anos, Yiwu atrai mais de 500 mil comerciantes de todo o mundo. Uma equipa de mediadores ligado ao governo da cidade procura ajudar na resolução de disputas entre empresários. Em abril, a agência de notícias Xinhua falava em 22 voluntários que trabalhavam para melhorar o ambiente de negócios.
O que o governo da cidade pretende é que os empresários que chegam se percam apenas nos corredores e corredores da feira de produtos made in China que é a Cidade Internacional de Comércio. E só aí.
“Hoje em dia, nenhum retalhista do mundo consegue sobreviver sem os produtos de Yiwu, dizia ao “Guardian” Girdhar Jhanwar, o primeiro indiano a estabelecer-se na cidade, em 2002. “Qualquer pessoa pode chegar, criar um negócio em Yiwu e adquirir artigos para vender em países de todo o mundo. Não precisam de ir a qualquer outro lado na China. Yiwu transformou-se numa loja única”, acrescentava.
Quem pretender comprar uma lanterna com as caras dos líderes mundiais, aqui tem; quem pretender adquirir lupas para fingir-se Sherlock Holmes, tem uma loja só para isso e que as vende em diferentes tamanhos; se o que quer são flores artificiais, em Yiwu há para dar e vender (bem só para vender, mas fazem descontos de quantidade). Em suma, imagine uma bugiganga barata e de certeza que aqui encontra. Yiwu é o retrato do paraíso, se este for de plástico e cair nele neve artificial.