Parece que os espanholistas, convocados pela organização espanholista Sociedade Civil Catalã e mais dez outros grupos, começaram a tomar o gosto a disputar as ruas aos independentistas. Muita gente desfilou pelo centro histórico de Barcelona. A convocação fez-se sob o lema “Catalunha sim, Espanha também”.
Estavam no pano da frente do cortejo, para além dos organizadores, dirigentes do PP como Alberto Fernández Díaz, Daniel Serrano e Sergio Santamaría, e dos Ciudadanos, como Inés Arrimadas, José Manuel Villegas, José María Espejo-Saavedra e Carina Mejías. A iniciativa contou também com o apoio de outras organizações políticas, como o partido de extrema-direita Vox.
O desfile arrancou no Paseo de Gràcia, perto de La Pedrera, perto das 11 horas, e terminou na Praça da Catalunha.
Extrema-direita ativa
Muito antes de os manifestantes chegarem ao lugar de concentração, os Mossos d’Esquadra, polícia autonómica catalã, detiveram, às 9h30, vários indivíduos com bandeiras espanholas franquistas, que aqui se dizem pré-constitucionais, que estavam na posse de diverso material proibido: soqueiras de aço, bastões extensíveis, passa-montanhas e bandeiras falangistas. Segundo a televisão de Barcelona Betevé, algumas das pessoas detidas estavam com camisolas do Hogar Social de Madrid, uma das associações de extrema-direita que se tinham associado à manifestação.
Normalmente, no dia de Espanha, a extrema-direita radical junta-se, com poucas centenas de pessoas, perto da Praça de Espanha, junto ao Montjuïc. Esta concentração, uma hora antes da manifestação, repetiu-se este ano. Não estavam mais de 200 pessoas e teve como “momento alto” a queima de bandeiras independentistas catalãs, “estreladas”, e a bandeira oficial da Catalunha, a Senyera.
20 mil nas ruas Diferentemente, à marcha organizada pela Sociedade Civil Catalã, dado o leque político alargado das organizações convocantes, afluíram muitos milhares de pessoas; ainda assim, bastante menos que na gigantesca manifestação de 8 de outubro. Seriam cerca de 20 mil pessoas.
Aos gritos de “somos espanhóis”, “Puigdemont para a prisão” e “viva a Guarda Civil”, as ruas encheram-se de bandeiras espanholas e de bandeiras brancas com um coração composto pelos símbolos da União Europeia, Espanha e Catalunha. Ao chegar o grosso do desfile à Praça da Catalunha, o animador do comício pediu repetidamente para toda a gente se agachar, para depois começar a cantar, em coro com os manifestantes, enquanto as pessoas se iam levantando e saltando, gritando que “os espanhóis estão de pé”. As palavras de ordem mais populares na concentração eram as que exigiam a prisão de Puigdemont e do major Trapero dos Mossos d’Esquadra. A passagem de um helicóptero da Guarda Civil animou muito as pessoas que estavam perto de mim a cantarem “Mossos para a rua, que venha a nossa polícia, viva a Guarda Civil”.
Uma palhaçada
Do palco do evento lembraram que a organização reprovava e não queria nesta manifestação “nenhuma bandeira e símbolos extremistas, ou bandeiras pré-constitucionais. Não os queremos aqui”, disseram, com o aplauso da maioria dos participantes. Apesar disso, estavam no meio da multidão algumas centenas de indivíduos com os símbolos da falange ou de outros grupos de extrema-direita. E os milhares de bandeiras espanholas dominavam largamente algumas bandeiras catalãs.
No manifesto das organizações convocantes lido por Clemente Polo, presidente da Regeneração Democrática e porta-voz do movimento Espanha e Catalães, este afirmou que a “proclamação unilateral de independência”, por parte de Puigdemont, “se transformou numa mera palhaçada, mais normal num recreio de colégio do que num parlamento”. O texto dos organizadores acusa os “dirigentes secessionistas” de “esticarem a corda ao máximo” e de terem empurrado a Catalunha até à beira do precipício. “A secessão da Catalunha não se consumou antes de ontem nem se consumará amanhã, mas vamos necessitar de bastante tempo para que as instituições políticas recuperem o pulso democrático e cicatrizem as feridas abertas”, garantiu o orador.
A guerra das bandeiras
Na praça estava um imigrante do Bangladesh que vendia bandeiras espanholas. “Vendi muitas, mais do que costumo vender em manifestações independentistas”, confessou-me. “São mais os espanholistas?”, perguntei-lhe. “Não sei. Acho que os outros já têm as bandeiras deles e, por isso, compram menos.”
Esta teoria foi de alguma forma confirmada por Lurdes, a única que se identificou num grupo em que estava acompanhada pelo marido e o sogro: “Nunca tinha visto tantas bandeiras espanholas sem ser no futebol. Eu, por exemplo, nunca tinha tido nenhuma.” O marido riu-se, divertido, e mostrou que os cabos das bandeiras eram feitos de partes de vassouras de plástico que tinham em casa. “Nunca tinha ido antes a uma manifestação”, sublinhou.
O medo
Os unionistas estão a ganhar o gosto por se manifestar? Lurdes, com uma vivacidade contagiante, foi-me dizendo que tem de ser. Mas que, ainda assim, campeia o medo. “Nós vínhamos no metro, éramos dos poucos que levávamos as bandeiras à vista. A maioria das pessoas leva-as escondidas. Têm medo.” O marido acrescentou: “Fomos várias vezes insultados na rua, pelo caminho até à concentração”. Por isso, justificou ela, só dava o primeiro nome, não queria ter o nome inteiro publicado nos jornais. Quanto à ideia que fui ouvindo, estes dias, de que a confrontação política na Catalunha costuma ser feita pacificamente, Lurdes discordou: “Neste momento há amigos e famílias que não se falam. Há colégios em que se criaram duas associações de pais: uma independentista e outra não, de tal forma estão as coisas.”
A culpa do PP
Tirando o sogro de Lurdes, mais calado, que vai sorrindo, o casal acha que parte da culpa da crispação na sociedade catalã também se deve ao governo do PP. O sogro ia dizendo baixinho que não estava de acordo, que até vota em Rajoy. O mais grave, finaliza Lurdes, é que os cachorros – o nome que as pessoas dão aos espanholistas de extrema-direita, porque parecem estar sempre a abanar-se para ir para a pancada – saíam antigamente à rua mas não tinham gente, estavam isolados. O independentismo está a legitimá-los e a dar-lhes oxigénio. “Qualquer dia teremos violência grave se o país não se pacifica”.
Enquanto ainda decorria o comício produziu-se uma autêntica batalha campal na esplanada do Café Zurich, na Praça da Catalunha. Um grupo de ultras envolveu-se numa escaramuça com clientes do café, atirando cadeiras. Um agente da Guàrdia Urbana ficou ferido a tentar parar a violência. O estabelecimento teve de correr as grade de ferro para proteger os clientes no interior e não voltou a abrir. Os Mossos d’Esquadra identificaram 20 pessoas no local.