Enquanto Mariano Rajoy faz saber que não avançará com a suspensão da autonomia catalã, através do artigo 155 da Constituição, caso Carles Puigdemont recue e negue que tenha proclamado a independência na terça-feira passada, os seus ministros, como María Dolores de Cospedal, que detém a pasta da Defesa, vão insinuando que, se calhar, não será necessário empregar o exército na Catalunha. Ao mesmo tempo, aparecem notícias nos meios de comunicação social, supostamente vazadas pelas autoridades, com os planos militares para a Catalunha, e o ministro dos Negócios Estrangeiros vai a um programa de rádio dizer que a prisão de Puigdemont está em aberto. «Tudo depende dele», garante Alfonso Dastis.
O tempo está a passar e o presidente do governo catalão tem até segunda-feira ao final da manhã para responder ao ‘requerimento’ com que Mariano Rajoy iniciou o caminho para a aplicação do artigo 155. Caso negue que proclamou a independência da Catalunha, o líder do PSOE, Pedro Sanchéz, garante-lhe que já acordou com o governo do PP a realização de um processo de revisão da Constituição espanhola, que permitiria acautelar algumas das reivindicações catalãs, por exemplo em matéria fiscal, sem pôr em causa, certamente, a sacrossanta unidade de Espanha e o garante do seu cumprimento, pelo exército, como recordou de uma forma hábil a ministra da Defesa.
Em sentido contrário, o antigo presidente da generalitat socialista, Ernest Maragall, agora eurodeputado, usou a sua conta de Twitter para dizer que Puigdemont devia declarar a independência. Cabe ao atual presidente do governo autonómico escolher entre «rendição ou repressão», afirma o antigo militante do PSC, concluindo que «é a hora de assumir o risco da liberdade». Um post que mereceu, no Twitter, a concordância do vice-presidente do governo da Catalunha, Oriol Junqueras, que comentou em frase curta: «Completamente de acordo».
No campo independentista, os seus maiores movimentos sociais, a Assembleia Nacional Catalã (ANC) e a Omnium Cultural instam Puigdemont a que anule a suspensão da declaração de independência. O secretariado da ANC reuniu-se na quinta-feira e pediu para que fosse levantada a suspensão. Em comunicado, o secretariado desta organização fez saber o seguinte: «Tendo em vista a negativa do Estado espanhol a qualquer proposta de diálogo, já não faz nenhum sentido manter suspensa a declaração de independência. Por isso, instamos o parlamento a levantá-la e ao presidente do governo a colocar em marcha a lei da transitoriedade jurídica e fundacional da República».
A isto somam-se as pressões da CUP, o partido independentista mais radical, cujos deputados garantem o apoio parlamentar maioritário dos independentistas ao governo dos Junts pel Si, coligação do Partido Democrático Europeu Catalão (PDeCAT) com a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC). A direção deste partido anticapitalista pede a Puigdemont que «proclame já a República», a três dias de se esgotar o prazo do ‘requerimento’ enviado pelo governo Espanhol: «Por todos os que defenderam os seus colégios [eleitorais] perante a violência da ocupação militar e policial; os que votaram sim e os que votaram não», por todas essas pessoas e face «à falta de apoios explícitos a nível internacional», «segue sendo tão necessária a proclamação da República». Para a CUP, qualquer recuo nesse propósito derrotaria os independentistas, por perda de apoio popular, «sem apoio do povo não é possível manter o firme objetivo da autodeterminação». Para este partido só há uma resposta possível a dar a Rajoy: aquela que saiu do referendo – «a República é o mandato de mais de dois milhões de pessoas». Qualquer outra significaria, para CUP, que, «perante a repressão do Estado, ficaríamos imóveis face às ameaças [do governo espanhol], o que não nos permitiria existir como povo». A CUP não acredita numa mediação internacional e conclui: «Se nos aplicarem o artigo 155, que nos apliquem quando formos República».
Recuar está na mão dos moderados
De alguma forma, haver ou não um recuo vai decidir-se no seio dos independentistas mais moderados do PDeCAT, para quem a perda das instituições autonómicas – que eles controlam quase sem interrupções, desde 1980, tirando o período em que governaram os socialistas com o apoio do ERC – é um golpe fundo, e que o facto de cerca de 400 empresas terem deixado de ter sede social na Catalunha pode fazer soar os alarmes. Daí não serem estranhas as declarações do antigo presidente da generalitat e presidente do PDeCAT, Artur Mas: «A violência policial no dia 1 de outubro demonstrou que o governo espanhol não tem limites e que são capazes de qualquer coisa». Um fator novo e importante no processo, «com que não contávamos», garantiu Mas na estação de televisão autonómica TV3. O antigo presidente catalão mostrou-se prudente: «Se pensamos que a independência é a única maneira de proclamar uma República, estamos enganados». Sem explicitar as outras formas, ficou implícito o apoio a um possível recuo na segunda-feira.
De alguma maneira, estas lógicas diferentes já estavam presentes na diferença de tom nas declarações que fizeram ao SOL e ao i, a deputada do PDeCAT Miriam Nogueiras e o antigo porta-voz da CUP, David Fernàndez, com a primeira a defender: «Para nós, negociar e chegar a acordo é uma vitória. Aquilo que eu digo é que a nossa forma de agir, como comunidade, é diferente da forma como as pessoas se comportam em muitos locais de Espanha. Procuramos sempre negociar. Para nós um acordo é sempre melhor que um conflito, enquanto Madrid vê, numa negociação e num acordo, uma derrota. Por isso, querem sempre impor a sua opinião. É a única forma como veem o exercício do poder, a imposição e a força». O fundador da CUP, por seu lado, colocou uma linha vermelha: «Para nós, o que é inaceitável é que qualquer solução não passe pelas urnas e por um referendo. Não aceitaríamos que se fizesse uma espécie de negócio, não permitindo que as pessoas possam decidir o seu futuro. O 1 de outubro provou isso mesmo. Se alguém das oligarquias catalãs tradicionais for tentar uma solução que não passe por um referendo, pode tirar o cavalinho da chuva, a maioria social deste país nunca o aceitará».
Entretanto, o pouco que o governo catalão conseguiu da chamada comunidade internacional foi a condenação de Espanha no Conselho da Europa pela violência policial de 1 de outubro. Na mesma direção, a Human Rights Watch solicitou o governo de Madrid uma investigação séria sobre os abusos aos direitos humanos cometidos pelas suas forças de segurança no dia do referendo.