Hoje, segunda-feira, às 9 horas, o presidente do governo autonómico catalão, Carles Puigdemont, entrega a resposta ao “requerimento” do governo espanhol sobre se declarou ou não a independência da Catalunha. Essa resposta será rapidamente analisada pelo executivo de Mariano Rajoy. E a resposta do governo de Madrid poderá ser conhecida durante a tarde de hoje.
Ao mesmo tempo estarão a ser ouvidos pela Audiência Nacional os dirigentes dos principais movimentos sociais independentistas que protagonizaram as manifestações, desde 2010, que contribuíram para que a opinião pública catalã mudasse a sua opinião sobre a inserção da Catalunha em Espanha. O independentismo passou nestes anos de 20% para quase 50%, e a defesa do “direito a decidir” (poder votar a questão da independência num referendo) atingiu os 80%. Jordi Sànchez, da Assembleia Nacional Catalã (ANC), e Jordi Cuixart, da Òmnium Cultural, são ouvidos no mesmo dia que o major que comanda os Mossos d’Esquadra, Josep Lluís Trapero, que é acusado pela Guarda Civil de ter facilitado a realização do referendo. Os três incorrem numa condenação pelo “crime de sedição” que lhes custaria uma pena de prisão superior a 15 anos.
Apesar da separação do poder judicial e executivo, a questão da resposta de Puigdemont parece ligada às possíveis condenações: segundo a imprensa catalã afirma, o Ministério Público e o Tribunal Constitucional só avançarão com os processos caso Puigdemont confirme que proclamou a independência, embora de forma suspensa e mitigada, no dia 10 de outubro, no parlamento da Catalunha.
Caso Puigdemont recue, e ouça alguns dos setores ligados ao independentismo, como o ex- -presidente da Generalitat Artur Mas, e setores económicos relacionados com as conceções regionalistas, como os grupos económicos que estão por detrás do jornal “La Vanguardia”, o governo de Mariano Rajoy permitirá o começo de uma reforma constitucional e abrirá o debate sobre o financiamento da Catalunha. “Poderemos abrir um debate sobre uma nova repartição de competências e de impostos”, confessou ao “Periódico” fonte do PP. Por sua vez, o PSOE, que vem negociando com o governo a possibilidade de ser feita uma reforma constitucional, defende que a Catalunha seja considerada uma “nação” num novo texto constitucional. O Podemos de Pablo Iglesias, que não foi chamado por Rajoy para conversações, defende a inclusão no novo texto constitucional do “direito a decidir”.
Em sentido contrário, e jogando tudo na aplicação do art.o 155.o da Constituição, que suspende a autonomia, o líder dos Ciudadanos, Albert Rivera, pede que se faça uma interpretação muito particular desse artigo, convocando novas eleições na Catalunha. “A finalidade da reforma nunca poderá ser contentar aqueles que querem romper com Espanha, mas ter um projeto de país para os próximos 40 anos”, defende.
A comunicação social na Catalunha divide-se entre o “La Vanguardia” (de centro-direita), “El Periódico” (tradicionalmente ligado aos socialistas), que defende o recuo do governo catalão, e os jornais independentistas “Ara” e “El Punt Avui” e o site El Nacional, dirigido pelo antigo diretor do “La Vanguardia”, José Antitch, que insistem na reafirmação da proclamação da independência.
A suspensão da declaração de independência, a 10 de outubro, foi feita para tentar ganhar um compasso de espera que permitisse aos catalães conseguir encontrar mediadores que lhes garantissem a discussão de um processo, pelos menos, até um referendo negociado e acordado com Espanha. Os olhos do executivo catalão voltavam-se para a União Europeia, como disse ao i José Antitch: “Mas quanto tempo pode a UE aguentar e permitir que uma região economicamente poderosa em Espanha esteja numa situação de permanente tensão? Isso pode aceitar-se durante três meses, seis meses, nove meses ou um ano. Mas chegado a este extremo de uma Europa que se recuse a mediar o conflito entre a Catalunha e o governo de Madrid, poderá haver partidos que na Catalunha comecem a defender que é necessário fazer uma declaração de independência unilateral do país. E que não temos de estar na UE e, se calhar, mesmo do ponto de vista económico, estaríamos melhor fora da UE. Começa a haver economistas que defendem essa posição.”
Estas esperanças, apesar da condenação de vários políticos europeus da repressão policial feita pelos corpos de segurança espanhóis ao referendo de 1 de outubro, levaram um balde de água fria quando, recentemente, o presidente da Comissão Europeia afirmou que não pretendia que a UE fizesse mediação entre catalães e o governo de Madrid, porque isso significaria abrir uma caixa de Pandora: “Se permitimos que isto seja um assunto nosso e que a Catalunha ganhe a independência, também o farão outros países, e isso não é bom. Não quero uma União Europeia que dentro de 15 anos esteja formada por 98 países, será impossível”, argumentou Juncker numa conversa com estudantes do Luxemburgo.
Por isso, não deixa de ser curioso que a primeira brecha nesta posição quase sem fissuras de apoio a Madrid venha da Bélgica, país com vários problemas entre nacionalidades. O primeiro-ministro belga, Charles Michel, veio dizer que a UE devia fazer a mediação caso os governos de Madrid e da Catalunha prosseguissem numa rota de colisão. “Somente se constatarmos um fracasso definitivo do diálogo deverá colocar-se a questão de uma mediação internacional ou europeia”, afirmou o dignitário belga numa entrevista concedida ao jornal belga francófono “Le Soir” e ao jornal flamengo belga “De Standaart”, evitando responder à questão se a Bélgica reconheceria a Catalunha caso esta persistisse na via da independência. Nestas declarações, o primeiro-ministro belga condena a violência policial da polícia espanhola contra votantes catalães a 1 de outubro.
Estas declarações poderão convencer a maioria do PDeCAT a acompanhar o seu parceiro de coligação, a Esquerda Republicana da Catalunha, e ainda o partido independentista anticapitalista CUP na manutenção da declaração de independência e no assumir até às últimas consequências o choque com Madrid, protagonizado pelos mais de dois milhões de votantes no referendo de 1 de outubro. Caso não o faça, destrói certamente o polo independentista que funcionou desde 2010.
Caso não recue assumirá, como escreveu no Twitter outro antigo presidente da Generalitat, o socialista Ernest Maragall: cabe ao atual presidente do governo autonómico escolher entre “rendição ou repressão”, afirma o antigo militante do PSC, concluindo que “é hora de assumir o risco da liberdade” – uma liberdade que terá a contestação de Madrid e de uma parte significativa da sociedade catalã, que se tem manifestado nestes últimos dias, pela primeira vez de uma forma massiva, nas ruas de Barcelona.