Aconteceu três vezes este verão. Amigos, na estrada de volta à terra, que diziam "liga-me se souberes alguma coisa" por saberem que pela profissão estou uns minutos mais próximo da informação. Queriam saber da casa onde cresceram, da mãe, do pai, dos avós.
Este não é um país em que alguém possa viver. Um país que passaremos a ter medo de percorrer, onde as estradas se tornaram cemitérios, em que viajar de carro se transformou num risco. Não é exagero, não é. Ontem, já com cinco dos 35 confirmados falecidos, António Costa insistiu em deixar claro que "seguramente se repetiria". Dito de outro modo: o primeiro-ministro pediu aos portugueses para se habituarem a morrer. Declarou a morte como o novo normal.
Costa não está sozinho no delírio. Tem consigo um secretário de Estado que incentiva os cidadãos a combater o fogo porque não se pode ficar "à espera dos aviões e dos bombeiros" e uma ministra cuja grande ilação dos últimos meses é não ter ido passar férias.
Eu não sei (e ninguém sabe) exatamente quantas vidas se perderam ontem, sei que já se perderam vidas demais. Sei que António Costa não podia evocar como desculpa para 2017 o facto de não ter ardido tanto território nos anos anteriores, e a verdade é que o fez.
Podíamos falar na hipocrisia política de um partido que se promove como defensor do papel do Estado vir agora subtrair o Estado da sua função mais básica – proteger a vida dos seus cidadãos –, mas este já não é o tempo da análise política. É o tempo das consequências. É demasiado tarde só para um pedido de desculpas. E a demissão de uma ministra não é suficiente.
Quando Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito, prometeu ser o presidente de todos os portugueses. Bem ou mal, tem tentado. Não lhes pode falhar agora.
A morte não pode ser o novo normal.