O vídeo é breve, mas ouve-se e vê-se bem. Nos estúdios da RTP, José Sócrates, já sentado e de microfone na lapela, preparava-se para a sua primeira entrevista após a acusação do Ministério Público ter chegado, na semana passada. Vítor Gonçalves, o entrevistador da estação pública, dirige-se ao ex-primeiro-ministro (“engenheiro José Sócrates”, estendendo-lhe a mão) e este responde de volta, ambos a sorrir: “Olá, como está? ‘Tá bom?”
Mas a cortesia também foi breve. Com as câmaras e os microfones ainda por ligar, começou a pressão. Entre ambos estava um muro de papel que correspondia às quatro mil páginas de acusação contra Sócrates, que terá de se defender em tribunal. E foi para esse muro que o “engenheiro” apontou.
“Então você montou aqui um pequeno espetáculo?”
Vítor Gonçalves senta-se, negando que tenha sido essa a intenção de ter a acusação literalmente em cima da mesa. “Serve para mostrarmos”, respondeu ao socialista. “Um espetáculo, portanto. É isso que pretende”, tornou o antigo secretário-geral do PS.
Depois começou a entrevista, que também já causou polémica por José Sócrates se ter indignado com a última questão que o jornalista da RTP1 lhe colocou, sobre como se sustenta hoje. Sócrates considerou a pergunta “indigna” e típica de “um jornalista do ‘Correio da Manhã’”. A conclusão foi que vive “da pensão” de deputado. Esse foi o início de um fim de semana animado para o homem que se clama inocente.
Outros momentos marcantes da conversa foram a negação de uma linguagem codificada com Carlos Santos Silva, o “melhor amigo” que alegadamente lhe emprestava dinheiro. “Nós temos um modo de falar. Os amigos constroem um mundo em comum”, justificou.
“O Mal que deploramos” Do “Dom Profano” para “O Mal Que Deploramos”: é esse o título do novo livro publicado por José Sócrates, sobre a utilização de drones, “o terror e os assassinatos-alvo”. A editora é a Sextante.
Sócrates apresentou-o no sábado, num hotel no Porto, onde marcaram presença membros do Partido Socialista como Renato Sampaio, Isabel Santos, Fernando Gomes e António Campos. “Eu sei porque é que estão aqui e quero que todos saibam que isso é muito importante para mim”, disse, dirigindo-se aos referidos. Sócrates chegou com cerca de meia hora de atraso, mas os aplausos, de mais de uma centena de presentes, fizeram–se sentir. “Sócrates, amigo, o povo está contigo”, gritou-se.
A Pedro Bacelar Vasconcelos, que apresentou a obra, também mostrou gratidão e até algum humor. “Sublinhar que está aqui hoje não apenas para a apresentação de um livro, mas também para mostrar a amizade comigo, eu sei bem”, agradeceu, depois acrescentando: “Olha, meu caro, não tenho a certeza se não entraste agora numa lista muito seleta daqueles que são suspeitos de terem escrito o livro do Sócrates. Como se sabe, se há um livro do Sócrates, há alguém que o escreveu por ele.” A sala riu; o próprio, nem tanto.
Lamaçais e boais
O seu discurso durou mais de 60 minutos. Aos jornalistas, considerou a acusação do Ministério Público como um “ lamaçal de vitupérios”.
“Quando o Ministério Público decide juntar dois processos, trazer Ricardo Salgado, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava para este processo, fá-lo com a expetativa de salvar este processo, isto é, como boia de salvação”, concluiu, citando um argumento já utilizado pela defesa de Salgado. “Isto não vai salvar este processo”, prometeu ainda aos jornalistas.