Na passada terça feira, quando saí de carro do centro da cidade, deparei-me com um fenómeno insólito, não havia trânsito. O rádio tocava uma das playlists do spotify, aproveitava a solidão e sossego da condução para fazer o balanço do dia, que apenas foi interrompido pelo aviso sonoro de falta de combustível. Segui para a bomba, pois no dia seguinte de manhã não teria tempo para tratar do tema, como creio que acontece a todos os que gostam daqueles cinco minutos de sono já depois do despertador tocar. Chegado ao posto onde normalmente abasteço, o low cost mais próximo de casa, percebo que não há a habitual fila de carro, não está ninguém a abastecer ou a pagar na caixa. Foi desta que Lisboa fugiu para parte incerta como cantavam os Trovante?
Olho à volta e percebo que não. As casas têm luzes acesas, vejo o brilho dos ecrãs de televisão, o movimento das famílias na sala. Grupos de amigos enchem os cafés da zona, rolam as imperiais. Àquela hora a seleção nacional disputava o apuramento para a fase final do Mundial de futebol frente à Suíça (e lá vamos nós espalhar magia para a terra dos czares), éramos muito poucos os que estavam na rua alheados desta realidade.
Esta evidência choca em grande parte com algumas das principais previsões para o futuro da televisão. O Ericsson Consumer Lab publicou recentemente o estudo ‘TV and Media 2017’, onde antecipa alguns comportamentos que vão continuar a impactar o consumo de televisão. A pesquisa conclui que vêm aí transformações profundas na forma como nos relacionamos com o nosso meio preferido.
Em primeiro lugar a já previsível utilização de múltiplos ecrãs. Nos últimos cinco anos duplicou o número de pessoas que veem televisão nos seus smartphones, estima-se que à escala global este número seja de cerca de 70%. Em termos de consumo, esta utilização pode representar cerca de um quinto do tempo total que dedicamos à televisão, seis horas por semana, que já inclui a visualização de vídeos.
Antecipam também o fim do couch potato, já que em 2020 apenas um em cada dez espetadores vai criar raízes no sofá a ver televisão. Apesar da falibilidade dos números quando falamos de previsões a três ou quatro anos, é certo que a relevância de serviços que permitem um consumo multiplataforma e não linear de televisão vão continuar a ganhar protagonismo e a conquistar cada vez mais tempo de atenção das pessoas. Estima o Ericsson Consumer Lab que dentro de três anos, 70% dos espetadores vão preferir a televisão on demand – as pessoas é que escolhem o que querem ver e quando – e que esta forma de visualização representará mais de 50% do consumo.
Estamos a assistir, ou melhor, a ditar o fim da televisão com a forma como consumimos os (seus) conteúdos hoje em dia?
Analisando a realidade em Portugal, passamos mais de quatro horas e meia por dia a ver televisão e é no período entre as nove e as dez da noite que se registam os maiores picos de consumo de sinal aberto. Se olharmos para o mercado dos aparelhos televisivos, também é legítimo deduzir que os novos aparelhos, de maiores dimensões e superior qualidade de imagem, estão pensados para potenciar conteúdos como filmes, séries e transmissões televisivas de altíssima qualidade, capazes de proporcionar uma experiência cada vez mais imersiva…a quem se senta no sofá a assistir.
É certo que a televisão está a mudar e que vamos ter cada vez menos disponibilidade para tolerar o que não queremos ver. Mas ainda é muito cedo para decretar o óbito da televisão. Até porque queremos lá estar no momento da estreia da temporada da nossa série preferida e ver os golos quando já conhecemos o resultado.
Um dia a televisão vai morrer, será substituída por outro meio qualquer, capaz de proporcionar uma experiência mais relevante, mais sexy. Mas se calhar ainda de deixamos de ter necessidade de abastecer os carros com gasolina ou gasóleo antes de deixarmos de nos reunir com os amigos para ver o apuramento da seleção. Acredito que durante muitos e bons anos, durante o jogo da seleção, Lisboa parte para a frente do ecrã.
*Responsável Planeamento Estratégico do Grupo Havas Media