“Todos os anos é a mesma coisa e ninguém faz nada. A ministra que se demitiu devia era ir presa”, diz zangado Farrell Elion, um sul-africano que há 20 anos se apaixonou por Portugal e se instalou na aldeia de Quinta de S. João, em Oliveira do Hospital. Num inglês misturado com português, o dentista que também passou duas décadas na Holanda, não consegue esquecer o que viu na tarde de domingo. Está revoltado, chocado com o estado em que ficou a sua aldeia. “Tem de se começar a ir para a cadeia por crimes como estes, isto não pode ficar assim”, afirma.
“Não havia água, não havia eletricidade, não havia bombeiros, não havia GNR, não havia Proteção Civil, não havia nada. Eles mostram na televisão aquelas tendas enormes nos postos de controlo, mas o que é que realmente fazem? Nada!”, diz Farrell. “No próximo ano vai ser tudo igual… isto se sobrevivermos a este ano”, afirma, mostrando as mãos feridas. A sua casa não teve estragos de maior, apesar de os terrenos que a circundam terem ficado totalmente dizimados. Farrell agradece apenas ao sr. Vítor, um vizinho que, apesar de a sua casa estar a arder, ainda conseguiu ir socorre-lo.
Na minúscula aldeia de Quinta de São João, três casas arderam e tudo em volta ficou destruído. Uma das casas que ardeu era a do sr. Vítor. Quando chegamos lá, está a sua mulher, a dona Maria, a ser confortada por responsáveis da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital.
Maria conta que não estava em casa quando as chamas começaram a chegar perto. Foi alertada por vizinhos que o fogo ainda estava em Coja, a aldeia vizinha, mas em três minutos as chamas já estavam na Quinta de São João. “Foi um horror, víamos tudo em volta em chamas. Viemos logo para aqui, mas nunca pensei que o fogo viesse com tanta força nesta direção”, confessa, sempre a chorar. “Aqui ninguém veio, nem bombeiros nem GNR, mas também eles não conseguiam passar, tivemos de nos ajudar uns aos outros aqui na aldeia”, termina.
“O fogo urrava, urrava!”, exclama. Enquanto nos mostra todo o terreno e habitação que ficou queimada, conta que o primeiro instinto foi salvar os animais: “Tínhamos centenas de ovelhas e só conseguimos salvar meia dúzia”. No terreno jazem motores, cisternas, carros, tratores, máquinas agrícolas. Só se conseguiu salvar uma zona da casa, a parte onde o casal dormia: “Só conseguimos entrar lá ontem, estava tudo tão quente, era impossível entrar. Mas felizmente aquela parte salvou-se”. O que lhes vale agora é o filho, que voltou de França, onde estava emigrado, para ajudar na recuperação de tudo. O neto ligou à avó a perguntar “como estava a casa de Portugal”. “É um lindo menino, gosta muito de cá vir”, diz, quebrando de seguida num choro mais profundo. “Pareciam bolas de fogo no ar!”, recorda. “Eu pensei que era o fim do mundo”, acrescenta.
“Foram 33 anos de trabalho duro na agricultura para acabar nisto”, diz o sr. Vítor, que tem ocupado o tempo a limpar o terreno. “Eu adorava a vida que levava. Agora fica tudo reduzido a cinzas”, diz, agarrando-se à cara. Ao passar pelo Volkswagen antigo, que já nem andava, não diz espantado que o carro ardeu todo, “todo!”, até as letras e números da matrícula já não estão no lugar delas. “Só sobrou a símbolo da marca do carro, logo isso que não tem valor nenhum!”, chora.
“Isto há muitos interesses para que isto aconteça. Estes terrenos não valiam nada e daqui a uns meses vêm aqui comprar-nos isto por tuta e meia”, diz, justificando a tese de fogo posto.
O diabo também passou por Avô De Oliveira do Hospital a Arganil, a paisagem é idêntica: o chão negro, pinheiros e eucaliptos ardidos e o fumo que ainda vai subindo dos buracos na terra.
Na aldeia de Avô, em Arganil, encontramos Elísio, que vê pela primeira vez desde os fogos o seu terreno queimado. O sítio onde guardava lenha, máquinas agrícolas e madeira já não está lá. “Isto foi o diabo que apareceu aí, não imagina o barulho que o fogo fazia, não havia ninguém que o apagasse”, refere o octogenário. “Aqui nem bombeiros nem ninguém, cada um safou-se como pôde. Também se cá viessem não vinham cá fazer nada, não havia quem o conseguisse apagar”, diz. Elísio, que explica orgulhosamente que o seu nome se deve aos Campos Elísios de Paris, ficou com a casa onde vive intacta. Só não conseguiu salvar o seu barracão à beira da estrada nacional que só hoje teve coragem para ir ver.
“Nunca vi tal coisa. Estou aqui há 60 anos e nunca vi tal coisa”, diz ao olhar a paisagem devastada pelos incêndios. No dia dos incêndios estava a ver a bola em casa: “Era um barulho, você nem calcula. Foi como um furacão de fogo, as pessoas gritavam como tudo, houve quem tivesse de fugir só com a roupa que tinha no corpo”. Elísio concorda com a dona Maria: “Parecia o fim do mundo”. “O governo é que tem culpa. O que é que eles põem os militares a fazer? Mandavam-nos vigiar as matas que os incendiários já se assustavam. Antes isto não acontecia…”, suspira.
“Ai, isto era tão lindo” Pomares, também em Arganil, é uma aldeia postal. O cenário tem tudo para ser idílico, colocada entre um vale, com pequenas casas umas em cima das outras. Agora há um senão, o que era verde passou a ser negro. Em Pomares não se perderam casas nem vidas humanas, mas perdeu-se a paisagem, o que acaba por ser o menos mau, já que as chamas rodearam totalmente a aldeia. Na rua, as pessoas aglomeram-se em pequenos grupos e conversam sobre a tragédia. Maria Augusta, sentada à porta de casa, e a vizinha Maria Irene, à janela do seu primeiro andar, contam como foi no domingo: “Foi uma coisa horrível, era muito vento. Parecia um verdadeiro inferno”, diz Augusta. “Felizmente não queimou nenhuma casa, só o telhado ali da associação recreativa, mas nada de muito grave”, acrescenta.
As vizinhas contam que no domingo não saíram de casa. Ficaram à janela a ver as pinhas em chamas a rolar pela rua abaixo: “Isto era um calor, nem imagina”. E os bombeiros? “Nada!”, respondem em uníssono. “Mas eles também não conseguiam passar, tiveram de ser os rapazes novos aqui da aldeia a apagar isto”, diz Augusta.
À volta da Pomares está tudo negro. Encontram-se carros abandonados totalmente destruídos, postes de eletricidade de madeira ardidos e pendurados pelos fios, o asfalto está negro. “Agora está tudo queimadinho, isto. É uma tristeza olhar pela janela”, diz Irene. “Ai isto era tão bonito”.