Vouzela, o eucalipto e as cativações

Num concelho em que morreram quatro pessoas, Rui Ladeira denunciou a reflorestação com eucaliptos e quis fazer gestão florestal, mas as cativações falaram mais alto.

Fez esta semana três anos que Assunção Cristas foi ao município de Vouzela participar numa ação voluntária de reflorestação do perímetro florestal de Penoita. Pouco tempo passava do primeiro aniversário do incêndio da serra do Caramulo que vitimou quatro bombeiros. Carvalhos, sobreiros e castanheiros – Cristas pôs as mãos na terra e plantou o que agora não passa de cinzas.

Na altura, enquanto ministra da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, Cristas defendeu uma floresta «gerida com biodiversidade e variedade de espécies autóctones», como se pode ler no site da Câmara Municipal de Vouzela.

Porém a «biodiversidade e variedade» defendida pela então ministra ficou-se por uma espécie:_o eucalipto. A_reflorestação já estava em curso quando Assunção Cristas fez aquelas declarações e já tinha gerado polémica, precisamente em Vouzela.

Rui Ladeira, presidente da Câmara em 2014 e reeleito este ano, denunciou ao então secretário de Estado das Florestas, Francisco Gomes da Silva, que acabou por apresentar a demissão em outubro de 2014, o «risco» de um novo incêndio. «Há eucaliptos por tudo quanto é sítio, o que transparece ou resulta naquilo que nós temíamos:_nas áreas ardidas e não ardidas, esta nova legislação facilitou a colocação de espécies de crescimento rápido e muito inflamáveis, o que vai resultar num aumento do risco de incêndio daqui a uma meia dúzia de anos», disse à TSF_em agosto de 2014.

Não foi preciso esperar a «meia dúzia de anos» prevista por Rui Ladeira. Três anos depois, perdeu-se «toda a área que foi afetada também pelo incêndio do Caramulo, em 2013, e muito mais área. São 80 a 90%, que é a informação que temos neste momento e não está fechada, de área total do concelho que ardeu», explica ao SOL_o presidente do município. Mais ainda, em Vouzela voltaram a morrer quatro pessoas.

O SOL enviou perguntas por email a Assunção Cristas, através do assessor de imprensa da líder do CDS, que assim as solicitou, mas não obteve resposta em tempo útil.

 

Cativações não ajudaram

«Nós tínhamos uma candidatura de 1,5 milhões de euros para potenciar [a plantação] que rebentou», explica Rui Ladeira. A área reflorestada começava a dar fruto, mas era preciso fazer a manutenção porque «já tinha muito pinheiro bravo e algumas folhosas, precisava de ser limpo».

A candidatura foi feita ao fim de dois anos «e o resultado é aqui que se sabe», a verba não foi disponibilizada, a manutenção ficou por fazer e o fogo voltou a deixar o seu rasto no concelho. «Foi dito que não havia dinheiro do Orçamento do Estado para financiar esta operação – atenção que é em espaço público», ressalva o autarca. O Governo respondeu negativamente ao pedido do presidente da Câmara, esclarecendo que quem deveria assumir o financiamento seria «o município, que era o proponente da candidatura», porque o Estado não tinha verbas.

«Não havia dinheiro para financiar aquilo que era uma intervenção prioritária», exclama _Rui Ladeira, que não se conforma com a decisão do Estado face ao projeto e mostra a sua revolta por não poder fazer nada quanto ao ordenamento do território.

«A falta de ordenamento que não podemos regular, não temos voz ativa, não temos hipótese de decisão sobre onde é que podemos ou não podemos plantar… Isto é tutela em particular do ICNF [Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas]». Mas isso não desculpa o que poderia ter sido feito e não foi para evitar os males maiores que vieram: «E agora ardeu, está arrumada a questão».

A Secretaria de Estado das Florestas, contactada pelo SOL, explicou que, «tendo em conta que o caso remonta a 2013, é necessário fazer algum trabalho de pesquisa para procurar informação que responda às questões que foram colocadas» , destacando que «a prioridade do ministério neste momento é dar resposta às situações de emergência provocadas pelos incêndios que recentemente  assolaram o país». As questões serão respondidas pelo gabinete «assim que for possível».