“Somos pró-europeus. Não entendo como é que alguém nos pode retratar como uma ameaça à democracia”. Quem o garante é Andrej Babiš, o segundo homem mais rico da República Checa, líder de cerca de 250 empresas do país, ex-ministro das Finanças e, em virtude dos resultados das legislativas do passado fim de semana, o próximo primeiro-ministro checo.
O homem que durante a campanha eleitoral defendeu a rejeição do sistema de distribuição de migrantes e requerentes de asilo por quotas, a manutenção do país fora da zona euro, ou a inadequação da ingerência de Bruxelas em diversos assuntos internos checos, não se revê na onda autoritária, iliberal e eurocética que tem varrido os governos dos parceiros de Praga no grupo de Visegrado – uma aliança regional, também conhecida por V4, com raízes no século XIV e recriada no início dos anos 90, após o colapso soviético, que junta Hungria, Polónia, Eslováquia e República Checa – e afasta, por isso, ser colocado no mesmo saco de Viktor Órban ou Jaroslaw Kaczynski.
A rejeição de uma postura antieuropeia e a demarcação dessa conduta seguida pelos restantes membros, é justo dizê-lo, fazem parte do discurso dos dirigentes dos quatro países da Europa Central – ainda esta segunda-feira, citado pela Reuters, o primeiro-ministro eslovaco Robert Fico mostrava-se “satisfeito” pelo facto de, em virtude da vitória eleitoral de Babiš, a Eslováquia “se ter tornado numa ilha pró-Europa na região”. Talvez isso ajude a explicar o pouco impacto de uma aliança que se estende ao longo de 530 quilómetros quadrados e representa mais de 64 milhões de cidadãos europeus, e que, excetuando a luta concertada contra o acolhimento de refugiados, pouco ou nada tem logrado em matéria de política externa, de segurança e de defesa – três setores vitais para o grupo aquando da sua criação.
O triunfo eleitoral da Ação de Cidadãos Descontentes – ANO, na sigla em checo, que também significa “sim” –, a plataforma política criada em 2011 por Babiš, pode, no entanto, vir a alterar essa realidade. Mesmo não sendo garante de um compromisso mais aprofundado de contestação a Bruxelas pelo clube de Visegrado – tendo em conta as posturas das várias partes, acima referidas – é um sinal claro da descrença cada vez maior do eleitorado da Europa Central nas instituições europeias. Essa legitimação popular, aliada a uma intenção dos seus líderes políticos nesse sentido, podem vir a ser utilizadas como arma de arremesso dentro da própria UE. O potencial para tal, aliás, é reconhecido e olhado com interesse na Áustria, onde, de acordo com a imprensa local, o recém-eleito primeiro-ministro conservador, Sebastian Kurz, estará a ponderar pedir adesão ao grupo, descontente com o rumo seguido pelos 28, aceitando a proposta da extrema-direita, com quem poderá formar governo.
Uma atuação de choque isolada da República Checa contra a União nem sequer seria recomendável, pelas dificuldades óbvias em ser bem-sucedida e pelas consequências negativas para a economia que tal acarretaria. Quem o diz é Jirí Pehe, analista político e antigo conselheiro do ex-presidente Václav Havel. “Babiš aparenta ser bastante eurocético mas terá de mudar de ideias. Não conseguirá liderar uma economia eficiente sem estar totalmente integrado na União Europeia. Se não o fizer, a República Checa poderá acabar na periferia da Europa e esse cenário não é do interesse de ninguém, já que 80% das exportações do país vão para a zona euro”, explica ao Politico.
Que coligação?
Antes de se pôr a pensar no que pode fazer a nível europeu, Andrej Babiš terá, porém, de encontrar alguém que queira governar consigo – o presidente Miloš Zeman já lhe prometeu o cargo de primeiro-ministro. A ANO logrou 29,64% dos votos, equivalentes a 78 dos 200 lugares no parlamento checo e, por isso, necessita de pelo menos outros 23 para conseguir a ambicionada maioria de 101 deputados.
A tarefa não se afigura nada fácil, uma vez que, para além dos anticorpos que criou durante a campanha eleitoral, em virtude do seu discurso antissistema e do facto de a sua candidatura ter suscitado diversas denúncias de conflitos de interesse – Babiš controla grande parte das empresas de alimentação, comunicação social e produtos químicos do país – o milionário caiu em desgraça junto dos restantes candidatos quando, há cerca de duas semanas, foi formalmente denunciado por fraude. Segundo a acusação, Babiš terá vendido uma empresa agrícola do seu grupo, em 2007, que assim pôde concorrer a um fundo da UE destinado a pequenas empresas. Um ano depois dessa operação, o milionário terá voltado a adquirir a referida empresa, beneficiando assim dos 2 milhões de euros de financiamento europeu que tinham sido alocados pela União.
Pelo menos seis dos nove partidos que foram eleitos para o parlamento já vieram a terreiro rejeitar uma eventual coligação, incluindo os conservadores do ODS (25 deputados), os liberais do Partido Pirata (22) e os sociais-democratas do CSSD (15) – os grandes derrotados das eleições de sexta e sábado, que abandonam o governo após uma humilhante votação de apenas 7,27%. Resta à ANO e ao seu líder procurarem um entendimento com as duas forças antissistema da nova assembleia: os nacionalistas do SPD (22) ou os comunistas do KSCM (15). Uma negociação perdedora logo à partida, no caso da extrema-direita. O seu líder de ascendência japonesa, Tomio Okamura, apenas aceita falar com Babiš se este proibir a promoção do Islão na República Checa e convocar um referendo, ao estilo britânico, para a população decidir de fica ou sai do clube europeu.
Tem a palavra Andrej Babiš. Ou, como alguns lhe chamam, o “Silvio Berlusconi checo”.