Dois dias depois de ter estalado a polémica do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, em que o relator Neto Moura faz censura moral a uma mulher vítima de violência doméstica, justificando as agressões com o alegado adultério, não param de surgir casos anteriores com apontamentos semelhantes do juiz.
Nem as citações bíblicas são uma novidade, num acórdão de junho de 2016, citado pelo Diário de Notícias, Neto de Moura anulou uma sentença de primeira instância que condenava um homem a uma pena suspensa de 2 anos e 4 meses por violência doméstica. O juiz justificou a sua decisão com a falta de credibilidade do testemunho da vítima, pois a mulher que comete adultério é "falsa, hipócrita, desonesta, desleal, fútil, imoral".
Noutro acórdão, que data de 26 de outubro do ano passado, o mesmo juiz revogou a medida urgente de que obrigava um agressor a ficar afastado da sua residência, por considerar que "os insultos seriam recíprocos e a denunciante até já teria manifestado desejar a morte do arguido", cita o mesmo jornal.
Mas talvez a decisão mais exemplificativa da sua ‘benevolência’ com a violência em casos de adultério seja uma no Tribunal da Relação de Lisboa, de 15 de janeiro de 2013, na qual Neto Moura atenuou o crime de violência doméstica de um homem que agrediu a mulher enquanto esta segurava o filho recém-nascido ao colo.
"O facto de o arguido ter atingido a assistente [a vítima], com um murro, no nariz que ficou ‘ligeiramente negro de lado’ e de a ter mordido na mão (sem lesões aparentes) constitui uma simples ofensa à integridade física que está longe de poder considerar-se uma conduta maltratante suscetível de configurar violência domestica".
Para o juiz, o facto de a vítima ter um bebé de nove dias ao colo quando sofreu as agressões "não tem a gravidade bastante".
Estes acórdãos estão todos a ser analisados e serão incluídos numa queixa que várias organizações irão apresentar esta semana ao Conselho Superior da Magistratura (CSM), que numa primeira reação, tornada pública em comunicado divulgado esta segunda-feira, se demarcou do caso.
O órgão, responsável pela gestão e disciplina dos juízes, sublinhou que os tribunais são "independentes e os juízes nas suas decisões apenas devem obediência à Constituição e à lei”. No comunicado o CSM frisava ainda que nem todas as "proclamações arcaicas, inadequadas ou infelizes" que constem da sentença tem relevância disciplinar.
Já o bastonário da Ordem dos Advogados foi mais crítico ao afirmar que a “argumentação do juiz é censurável e lamentável", defendendo também que o CSM aja para além do foro disciplinar, mudando o juiz de secção.