A comissão independente que analisou o fogo de Pedrógão Grande diz ter ouvido responsáveis que, na realidade, nunca foram contactados para prestar declarações sobre as decisões tomadas. É o caso do comandante nacional da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), na altura, Rui Esteves. Apesar de os peritos questionarem as suas funções por nunca ter estado no teatro de operações, fonte próxima do processo garante ao i que Rui Esteves em momento algum chegou a ser contactado pelos peritos convidados pelo parlamento para esclarecer por que motivo agiu dessa forma.
E este não é um caso isolado. Na mesma “lista de pessoas contactadas e que prestaram informação” surgem os outros três nomes de topo da cadeia de comando da Proteção Civil, que também não foram contactados, garante outra fonte conhecedora do processo. É o caso de Miguel Cruz, Pedro Nunes e Belo Costa, os três adjuntos do comandante nacional.
Ou seja, os peritos da comissão independente tecem duras críticas à ação da ANPC, mas não foi feito o contraditório com os visados, apesar de terem estado de serviço e a tomar decisões a partir de Carnaxide, na sede da Proteção Civil, durante os incêndios de Pedrógão.
Este é apenas um dos pontos que causaram mal-estar junto da estrutura de topo da Proteção Civil, que questiona a isenção e a intenção dos peritos quanto às críticas feitas, sabe o i.
O mesmo não aconteceu com os investigadores envolvidos no relatório de Domingos Xavier Viegas, que a pedido do governo também analisou os procedimentos seguidos no fogo de Pedrógão.
Neste relatório lê-se que Rui Esteves foi ouvido, o que foi confirmado por fonte próxima do processo e pelo próprio Xavier Viegas, que disse ao i ter conversado com o ex-comandante nacional “várias vezes” enquanto os especialistas analisavam a atuação das entidades de combate às chamas.
Questionado pelo i sobre a contradição na lista de nomes, o presidente da comissão técnica independente não respondeu até à hora de fecho desta edição. Apesar de não terem ouvido Rui Esteves, os peritos não se coibiram de tecer duras críticas à Proteção Civil e de salientar que a “presença ativa do comandante nacional [em Pedrógão] teria todo o sentido pelo facto de se estar perante uma das piores catástrofes com que o País alguma vez foi confrontado”.
Bombeiros também questionam isenção dos peritos
Os comandantes da Proteção Civil não estão sozinhos nas críticas aos peritos da comissão independente. Também os bombeiros dizem que apenas foram ouvidos durante “meia hora no parlamento”, diz ao i Jaime Marta Soares, que recorda que esse foi o único espaço que teve para dizer “aquilo que na nossa opinião era importante que se dissesse”. “Foi esse o rebuçado que nos deram”, remata o presidente da Liga de Bombeiros Portugueses. Marta Soares entende ainda que a comissão “dita independente foi sectária e corporativista”, e que isso é visível “na sua composição”.
Presidente da Estrutura que vai gerir meios ouvido pelos peritos
Na lista de 171 nomes ouvidos pelos perigos surge Tiago Oliveira, que foi consultado enquanto funcionário da Navigator, antiga Portucel. E, além de Tiago Oliveira, os peritos ouviram outros altos cargos da Navigator, incluindo o conselho de administração. Oliveira viria a ser entretanto nomeado pelo primeiro-ministro como presidente da Estrutura de Missão para a Instalação do Sistema de Gestão Integrada dos Fogos Rurais, com poderes de decisão ao nível de um secretário de Estado. E é precisamente o relatório dos peritos que ouviram Tiago Oliveira que vai servir de base às medidas que vai adotar na reorganização dos meios.
Tiago Oliveira, que fez estudos sobre a reforma da floresta para António Costa enquanto MAI, em 2005, é tido como especialista na área, sendo investigador no Instituto Superior de Agronomia (ISA), em Lisboa. Nessa qualidade, os peritos ouviram um outro investigador do ISA, José Cardoso Pereira. A única pessoa que o relatório da comissão independente diz que foi contactada mas não prestou declarações foi Domingos Xavier Viegas. Questionado pelo i sobre essa recusa, o investigador esclareceu que não participou por ter em curso a sua investigação, que lhe tinha sido solicitada pelo MAI.