Pedro Carrera Bastos. “Não chega voltar ao tempo dos nossos avós”

Investigador na área da alimentação, Pedro Bastos vê na dieta do paleolítico mais do que comida. “É um estilo de vida”, garante. E mais saudável 

Professor de Nutrição Funcional, investigador na área da alimentação saudável e defensor de uma dieta que, acredita, vai muito além da comida, Pedro Carrera Bastos reconhece que voltar à alimentação do Paleolítico pode não ser fácil para quem o quiser fazer de uma forma rigorosa, mas admite que há pequenas mudanças que podem mudar uma vida.

 

Alguém que queira começar a seguir uma dieta paleolítica deve fazer o quê?

Como em qualquer outra dieta, deve consultar um nutricionista. Para a maioria das pessoas, esta mudança será benéfica, mas há casos em que isso não acontece.

Então a dieta paleo não é para toda a gente.

Nenhuma dieta é para toda a gente, tem de ser sempre personalizada. Esta dieta é um modelo baseado nos grandes padrões alimentares da nossa História e há sempre um conflito entre o que foi esse padrão e aquilo que estamos a fazer hoje.

Mas quem é que não deve seguir esta dieta?

Um paciente renal terá de ter uma dieta adaptada, porque aqui há um grande consumo de proteína. Quem tem excesso de ferro, também.

E porque é que faz sentido mudar para uma dieta paleo?

Porque aquilo que as pessoas fazem hoje em dia não faz sentido. O nosso estilo de vida atual é o grande responsável pelas grandes doenças crónicas como a diabetes, osteoporose, cancro e doenças autoimunes. Atualmente, a vida é mais confortável – não temos de lutar pela sobrevivência ou de sair para caçar -, mas temos hábitos alimentares que não são os corretos. Temos hoje uma maior disponibilidade de alimentos e, principalmente, combinações de alimentos que não existiam. Gordura, farinha e açúcar é um conjunto presente em quase todos os alimentos processados. 

Foge um pouco à nossa dieta mediterrânica.

Estamos a copiar o modelo americano, o que considero o pior de todos. O exemplo do que é mau, para mim, é a dieta americana.

Mas é preciso voltar ao Paleolítico ou basta regressar ao tempo dos nossos avós?

Acho que não chega voltar ao tempo dos nossos avós. Ouço muitas vezes isso, a ideia de que os nossos avós eram muito mais saudáveis que nós. Isso não é verdade. A minha avó morreu sem uma perna por causa da diabetes e a minha outra avó esteve dois anos numa cama por causa de uma fratura da anca. Já a minha bisavó morreu de insuficiência renal por causa da diabetes.

No que diz respeito à diabetes, há quem defenda que a dieta paleo é melhor do que a mediterrânica para estes doentes.

O meu grupo de trabalho fez vários estudos sobre os benefícios da dieta paleo face à dieta mediterrânica em pacientes com diabetes tipo 2. A grande diferença entre as duas é que a paleo não usa cereais nem laticínios e a ingestão de sal é baixa.

Mas os cereais e os laticínios são tão maus como os pintam hoje em dia?

Os cereais, a nível nutricional, são pobres quando comparados com a carne, o peixe e as hortaliças. Além disso, do ponto de vista energético, obtemos mais calorias da fruta ou das hortaliças do que propriamente dos cereais. Já quanto aos laticínios, sabe-se que o leite aumenta mais a insulina do que o próprio açúcar. 

Mas o homem evoluiu desde o Paleolítico. A alimentação não devia acompanhar essa evolução?

O problema é que não evoluiu para o lado certo. Tivemos alterações genéticas, claro, mas a maioria vieram de agentes infecciosos, de maneira a conseguirmos responder em caso de infeções.

Que alterações genéticas são essas?

A acumulação de ferro, que já tinha mencionado, por exemplo. Outra coisa, o leite é digerido pela lactase. O problema é que, depois da amamentação, uma parte significativa da população deixa de produzir a lactase.

Então isto das intolerâncias não é uma mania.

Não. Existem é populações que, por terem introduzido a pastorícia mais cedo, se adaptaram e conseguem digerir a lactose ao longo de toda a vida.

Não foi o nosso caso?

O problema é que, com as migrações e a globalização, já não se pode falar no nosso caso.

E temos agora tudo o que o homem do Paleolítico tinha?

Não, claro que não. A fruta domesticada é diferente da selvagem, a carne que existe hoje em dia é de animais obesos, domesticados, bem diferentes dos selvagens. Quando falamos em imitar o passado, não falamos em imitar na totalidade. Tem de haver adaptações, diminuindo sempre a ingestão de alimentos processados e cereais.

É fácil seguir essa dieta hoje em dia?

Se quisermos ser rigorosos, não. Se estivermos dispostos a fazer alguns compromissos, sim. Reduzir o açúcar, aumentar a ingestão das hortaliças são passos simples e que fazem a diferença.

É mais caro?

Pode ser mais caro, sim. A carne e o peixe de qualidades são caros. O pão e o leite são muito baratos, por exemplo, mas as verduras e os legumes deviam ser muito mais.

Quais são os principais benefícios para a saúde?

Aumento da saciedade, ou seja, come-se menos, o que ajuda em casos de excesso de peso. Esta dieta não restringe, ao contrário das outras, apenas direciona as pessoas para determinados alimentos. Um diabético de tipo 2 pode melhorar a resistência à insulina, por exemplo. Diminui a tensão arterial, os triglicéridos.

Há mudanças que se sentem imediatamente?

Depende. Quem já faz exercício e uma alimentação cuidada não sentirá assim tanta diferença. Agora, quem seja sedentário, obeso e com tensão alta vai ver melhorias imediatas. Além disso, alguns aspetos da dieta, como a ingestão de ómega 3, podem ser benéficos em casos de doenças como a artrite reumatoide.

A dieta paleo tem só a ver com comida?

Não, é um estilo de vida. As pessoas que a seguem preocupam-se com a atividade física, com a ingestão de produtos biológicos, com os padrões de sono, com os níveis de stresse. Há até quem faça meditação, mindfullness, ou evite a exposição à luz que não seja a natural. 

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