Minimalismo. Quando menos é mais

Acreditamos que quantas mais coisas temos, mais felizes somos. É assim que pensa a maioria, mas há cada vez mais pessoas a quererem ter menos, para serem verdadeiramente felizes 

Vivemos numa sociedade consumista. É um facto mais do que repetido. Partimos para as lojas a cada estação à procura de roupa de que não precisamos, há todo um culto em torno do último modelo de smartphone – quando, na verdade, o nosso continua a funcionar bem e não precisamos propriamente de um novo -, enchemos a casa com objetos como livros, CDs, fotografias e bibelôs decorativos… tudo, seguindo uma lógica de quanto mais melhor, quanto mais recente melhor.

Enquanto há quem procure comprar mais, outras pessoas há que compram o mínimo indispensável. E até vendem ou dão o que têm a mais em casa. Dizem-se minimalistas. O i falou com Rita Domingues, um exemplo desta exceção à regra: cientista de profissão, vive no Algarve com o marido e dois filhos rapazes, de 11 e 12 anos. Há sete anos deixou de querer ser como a maioria.  

Tudo começou com algum tempo livre, conta Rita, de 38 anos. “Em 2010, quando acabei o doutoramento e, como tinha mais tempo, decidi redecorar a casa.” Começou a pesquisar na internet, em vários blogues, e encontrou o jornalista Leo Babauta, autor do “mais famoso blogue do minimalismo”, Zen Habits. A leitura suscitou-lhe a sensação de que “os minimalistas pareciam ser pessoas muito mais felizes”. E ainda recorda o dia em que decidiu que também queria isso para si. “Foi em 2011, estava na Grécia num congresso em trabalho e estava a ler um dos livros do Leo Babauta e foi aí que parei e pensei ‘eu vou ser minimalista’”.

Mas o que é isso do minimalismo? Rita explica. “Passar por identificar o essencial e eliminar o resto, mas não apenas as coisas materiais e sim tudo na vida – nas nossas responsabilidades e nas coisas que nos ocupam o tempo”.

A transformação

Rita percebeu que não precisava de ter tanta coisa, e começou o processo de “destralhar”, como se diz na gíria minimalista, pela mobília. E  assim, friamente, começou a olhar para o que tinha em casa. Na sala, tinha uma mesa de centro e uma mesa de apoio ao lado do sofá. “Mas eu preciso mesmo de duas mesas? Para quê? Só para ter tralha em cima para acumular pó e ter de limpar?”, perguntou a própria. Passou a ter só uma e livrou-se também do aparador da sala, “cheio de louça que não usava”.

O passo seguinte foi a roupa. Foi mais difícil, mas acabou por ficar apenas com uma cómoda, quando antes tinha uma cómoda e dois camiseiros. “É que livrei-me de tanta roupa que já não precisava dos camiseiros”, explica. “Tinha muita roupa de que não gostava”. E continua, hoje, a destralhar a roupa. “Não vale a pena ter roupa a encher os armários, porque quanto mais roupa temos, mais sentimos aquela sensação de não ter roupa para vestir”. Isto fez de Rita uma pessoa mais seletiva, segundo diz, e hoje prefere gastar dinheiro em peças mais caras e com qualidade do que comprar muitas por serem baratas.

Quanto aos livros, a lógica é a mesma: menos é mais e têm de caber na estante da sala. “Se não couberem, é porque são livros a mais e está na altura de destralhar”, diz Rita.

Todo este processo de “destralhamento” da vida só trouxe vantagens, garante Rita. “Ganhei muito tempo, porque deixei de ter tralha e tralha em casa para limpar, arrumar e organizar e compromissos que já não me interessavam e deixei de ter”. E o minimalismo também ajudou Rita a poupar dinheiro. “Já não o esbanjo em porcarias”, garante.

Quanto aos outros membros da família, o truque é estabelecer limites. “Eu e o meu marido temos um roupeiro pequeno e uma cómoda. Portanto, a nossa roupa tem de caber aí. Não quero sacos com roupa debaixo da cama nem na cave, o que nós temos tem de caber no espaço que está disponível”. 

Os filhos partilham o quarto. “Têm um roupeiro embutido para a roupa. Além disso, podem ter o que quiserem, mas tem de caber no espaço disponível”. De vez em quando, também as crianças têm a tarefa de destralhar o seu quarto. “Alinham bem nisso”, diz a mãe.

Uma casa “limpa”

Hoje, o maior objetivo de Rita é manter uma casa só com o essencial e arrumada. Mas nota: “a minha casa não é daquelas que não tem nada, mas tem só o essencial”. A paleta de cores é, por toda a casa, clara – uma característica que contribui para a ideia de arrumação e limpeza.

No quarto, Rita tem a cama – que é apenas um estrado com o colchão -, a cómoda, o roupeiro embutido, um espelho na parede e cortinados. Acha as mesas-de-cabeceira peças desnecessárias, especialmente porque se apercebeu de que, “principalmente naquela primeira gaveta, só se guarda tralha e medicamentos – algo bastante negativo de se ter ali, ao pé da cama”, defende. Tinha também um tapete branco, mas recentemente livrou-se dele porque tinha de estar sempre a lavá-lo. Era uma perda de tempo.

Na sala tem apenas um sofá, uma mesa de centro pequena, o móvel com a televisão, um aquário de peixes, umas prateleiras na parede, um móvel antigo grande – “onde guardo os CDs, DVDs, jogos de tabuleiro e as duas toalhas de mesa que tenho” – e uma mesa de jantar pequena com quatro cadeiras (o número de pessoas que vivem lá em casa). Não sente necessidade de ter mais cadeiras porque raramente recebe visitas. Quando recebe, é na maioria das vezes família, e se necessário põe a mesa da cozinha e as quatro cadeiras junto às da sala, ou junta as cadeiras das secretárias dos filhos ou a do escritório. “Não quero ter cadeiras empilhadas à espera de recebermos visitas, as coisas que temos são usadas”, afirma. Bibelôs são também muito poucos, por toda a casa.

Na cozinha, tudo é também à conta. Seis copos, quatro canecas, dez pratos – eram, até há pouco tempo, apenas quatro, mas Rita entretanto comprou um conjunto de seis -, três frigideiras, um tacho, uma panela de pressão, uma caçarola. Além disso, para além dos equipamentos normais, uma mesa e quatro cadeiras. E, da mesma forma, aqui vale o critério de se usar o que se tem. “Tinha um faqueiro guardado e tinha falta de talheres, por isso pus os talheres do faqueiro a uso, em vez de o usar para as raríssimas ocasiões especiais”.

No quarto dos filhos, para além das camas, há uma estante com brinquedos, um armário, o roupeiro embutido e duas secretárias.

Ao contrário do que acontece na maioria das casas, nesta a roupa de casa não se multiplica. “Tenho só dois conjuntos de lençóis para cada cama – quando um está a lavar, o outro está a uso -, dois conjuntos de banho para cada pessoa, duas toalhas de mãos em cada casa de banho”.

Rita tem ainda um escritório, com um piano, uma estante com uma secretária incorporada e uma mesa. Mas, porquê uma mesa para além da secretária? “Porque a secretária não é suficiente para eu trabalhar, mas o meu sonho era que fosse.”

Quem quer ser minimalista?

Rita deixa um conselho para quem se queira aventurar nesta viagem de libertação. É preciso, em primeiro lugar, praticar o desapego. “É fundamental a pessoa perceber que a felicidade não está nas coisas”, diz. “Depende das nossas experiências, das pessoas das quais nos rodeamos”. Uma lição que mais vale aprender enquanto é tempo. “Quando morremos não levamos nada material connosco para a cova, por isso mais vale investirmos noutro tipo de coisas”. 

Rita reconhece, por exemplo, que as pessoas têm muita dificuldade em livrar-se das coisas que lhes foram oferecidas ou que herdaram, mas acredita que “as recordações não estão nas coisas”, estão dentro de cada um. “Não preciso de ter um objeto da minha avó para me lembrar da minha avó”, defende. Contudo, para os mais saudosistas, a minimalista tem solução: tirar fotografias, para guardar a imagem. “A vida é muito mais fácil se não tiver tralha. Se as coisas não são usadas, se não gostamos das coisas, torna-se tralha, não faz falta nenhuma e só atrapalha”, remata.

Ficou interessado? Rita tem muito mais a dizer, e di-lo no blogue The Busy Woman and the Stripy Cat.

 

Adeus, coisas, de Fumio Sasaki

Pelo mundo fora, o minimalismo é uma tendência que tem vindo a crescer e há vários livros sobre a temática. Um dos mais recentes em Portugal foi publicado este ano pela Nascente, uma chancela da 20|20  Editora. Chama-se Adeus, coisas e é assinado pelo japonês Fumio Sasaki. O i reuniu 20 dicas – entre as 55 – do autor, para começar a destralhar.

•  Desfaça-se do preconceito de que não se pode livrar das suas coisas

•  Desfazer-se de algo requer perícia.

•  Quando deita alguma coisa fora, na realidade, ganha mais do que aquilo que perde

•  Tome verdadeira consciência da razão pela qual não consegue separar-se das suas coisas

•  Minimizar é difícil, mas não impossível

•  A capacidade do seu cérebro, a sua energia e o seu tempo têm limites

•  Deite já alguma coisa fora

•  Não há um único artigo de que se possa arrepender de ter deitado fora

•  Comece com coisas que sejam claramente tralha

•  Minimize algo que tenha em múltiplos

•  Desfaça-se daquilo que não usa há um ano

•  Desfaça-se de tudo aquilo que só tiver para manter as aparências

•  Saiba diferenciar as coisas de que gosta das coisas de que precisa

•  Tire fotografias dos artigos de que tem dificuldade em se separar

•  É mais fácil revisitar as suas memórias quando as digitalizar

•  As nossas coisas são como coabitantes da nossa casa cuja renda somos nós que pagamos

•  Organizar não é minimizar

•  Ataque o ninho (armazém) antes da praga (tralha)

•  Deixe o seu espaço “não utilizado” vazio

•  Liberte-se da ideia de “um dia destes”