Festejou-se com champanhe na Plaza Sant Jaume, em Barcelona, a declaração da independência da Catalunha no Parlamento catalão aí situado. Mesmo sendo uma independência simbólica, declarada inconstitucional pelas autoridades espanholas, as expressões de alegria não deixaram de se desatar quando Carme Forcadell, presidente do Parlamento, terminou a contagem e, com 70 votos a favor, dez contra e dois votos em branco, foi aprovado o processo constituinte da República. «Somos independentes», gritou-se nas ruas.
Na sua conta do Twitter, o presidente do Governo catalão, Carles Puigdemont – que se manteve em silêncio no parlamento durante os dois dias em que os deputados discutiram a aplicação por parte de Madrid do artigo 155 de suspensão da autonomia -, escreveu: «Catalunha é e será terra de liberdade. Ao serviço das pessoas. Nos momentos difíceis e nos momentos de celebração. Agora, mais do que nunca.»
O ex-presidente do Governo catalão José Montilla não embarcou na euforia da rua e preferiu sublinhar os perigos que aí vêm: «A convivência está em perigo e devemos sabê-lo. As instituições do nosso autogoverno também estão em perigo». Para o agora senador espanhol, é preciso começar a «trabalhar para recompor as coisas», porque, disse, citado pelo La Vanguardia, a Catalunha está agora num «buraco» de onde precisa de sair.
Na escadaria principal do parlamento, Puigdemont e o resto do seu Governo, bem como a presidente da Câmara de Deputados autonómica, Carme Forcadell, assistiram à passagem simbólica do poder da nova República para o Executivo. Falou Oriol Junqueras, vice-presidente, para pedir «a todos os cidadãos que agora estão a dar saltos de alegria» que «atuem sempre com responsabilidade, humildade e generosidade». Ao mesmo tempo, disse aos que se sentem inquietos com a situação política atual que a atuação do governo foi de «boa fé».
A seguir, Puigdemont sublinhou: «Vêm aí horas em que todos nós teremos de manter o pulso do país, de mantê-lo acima de tudo no terreno da paz, do civismo e da dignidade». Marta Rovira, que defendeu a resolução proposta pela maioria no Parlamento, já havia sublinhado a ideia de que «vêm aí tempos difíceis, momentos de tensão». No entanto, a declaração de independência tinha-se tornado inevitável: «Não temos alternativa».
A independência da República da Catalunha começa assim como se fosse um romance de Charles Dickens, como o melhor dos tempos e o pior dos tempos, a idade da sabedoria e a idade da insensatez.
Inés Arrimadas, líder da oposição catalã e do grupo parlamentar de Ciudadanos, cuja bancada abandonou o hemiciclo (tal como a do Partido Socialista da Catalunha, PSC, e a do Partido Popular da Catalunha, PPC) antes da votação da resolução de proclamação da República, não tem dúvidas sobre o que aconteceu: «O que acabam de cometer é o maior ataque à democracia», disse, antes de pedir aos catalães que «saiam a votar em massa nas próximas eleições».
O PPC, nas suas propostas chumbadas pelos deputados, lamentou a «fratura da sociedade catalã provocada pela Generalitat com a sua vontade reiterada, consciente e deliberada, de impor à totalidade dos catalães aspirações minoritárias».
Rajoy dissolve parlamento e convoca eleições
Com base no 155, votado pelo Senado espanhol, Madrid assumiu controlo da Catalunha.
O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, suspendeu o presidente e o vice-presidente da Catalunha, bem como todos os conselheiros, dissolveu o parlamento catalão e convocou eleições autonómicas. «Dissolvi o Parlamento da Catalunha e no próximo dia 21 de dezembro realizam-se eleições autonómicas», disse na declaração que fez no Palácio da Moncloa, em Madrid, após o conselho de ministros extraordinário.
«Respondemos a decisões que pretendem impor um sequestro inadmissível aos catalães e o furto de uma parte do seu território ao conjunto dos espanhóis», disse o primeiro-ministro espanhol. «O Estado dispõe de meios suficientes para, de forma pacífica e moderada, recuperar a normalidade legal e dissolver as ameaças», acrescentou Rajoy. Para o líder do governo de Madrid, Espanha está a viver «uma jornada triste em que a sem-razão se impôs à lei».
Com as medidas aprovadas pelo Senado, Rajoy enumerou as ações que o seu Governo irá realizar para recuperar o controlo da Catalunha. Entre elas estão a extinção dos gabinetes do presidente e do vice-presidente da Generalitat e das delegações do Governo autonómico no estrangeiro.
«É urgente devolver a voz aos cidadãos catalães, a todos, para que possam decidir o seu futuro e ninguém possa cometer ilegalidades em seu nome», enfatizou o presidente do Governo espanhol, ao anunciar a convocatória eleitoral para daqui a 54 dias.
Senado aprova artigo 155
Pouco mais de meia hora depois do parlamento catalão ter proclamado a independência e a formação de uma nova República ao início da tarde de ontem, o Senado espanhol aprovou a ativação do artigo 155 da Constituição espanhola, que o Governo de Madrid usa agora para suspender as autoridades autonómicas.
O debate no Senado ficou marcado pela troca de acusações. Jokin Bildarratz, do Partido Nacional Basco (PNV), acusou o Governo de liquidar a lei com medidas «amplas», «extraordinárias» e «sem controlo legal». Mirella Cortés, senadora da ERC, acusou o PSOE e o Ciudadanos de serem «cúmplices» do PP e responsabilizou-os pelo que poderá acontecer na Catalunha. O PSOE foi um dos principais apoiantes do Governo durante o debate.
Ao fim de três horas, os deputados do PP, PSOE e Ciudadanos – que desde o início da crise formaram uma «aliança constitucional» – votaram a favor, enquanto o Unidos Podemos, ERC, PNV e PDeCAT votaram contra. O artigo 155 foi aprovado com 214 votos a favor, 47 contra e uma abstenção.
O Senado deu então luz verde ao Governo espanhol para assumir o controlo da Catalunha pela «extraordinária gravidade na violação das obrigações constitucionais e a condução de ações que violam seriamente o interesse geral da Generalitat», lê-se na resolução.
As reações internacionais não se fizeram esperar. Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, escreveu no Twitter que «Espanha continua a ser o nosso único interlocutor», recusando reconhecer a independência, mas pedindo «que o Governo espanhol use a força dos argumentos e não o argumento da força». Os governos britânico e alemão também afirmaram não reconhecer a independência da Catalunha.