Chemtrails. Será só um avião ou uma teoria da conspiração?

Há quem acredite que os rastos brancos deixados pelos aviões são feitos de agentes químicos prejudiciais para a saúde. Embora a comunidade cientifica negue esta teoria, o tema vai hoje a discussão no parlamento

Talvez não tenha reparado mas, no dia 13 de abril deste ano, o ar não esteve tão respirável como de costume. Pelo menos segundo alguns dos mais de 15 mil membros do grupo “Rastos Químicos Portugal”, que garantem que se mantinha um cheiro intenso depois de toda uma noite de pulverizações. “Por isso é que hoje acordei sem forças e uma falta de ar terrível”, descrevia Sónia Pais. Já Carlos Gustavo Neto, outro dos utilizadores do grupo, comentava o facto de ter lavado o carro no dia anterior e, no dia seguinte, conseguir “escrever-lhe em cima”.

Aquilo que podia estar relacionado com a época dos pólenes, comum aos meses de primavera, não é teoria suficientemente plausível para calar as vozes que acreditam que está a ser feita uma pulverização de aerossóis em grande escala e que deixa um rasto a que dão o nome de chemtrail. Está a ver aquelas linhas brancas que parecem pequenas nuvens deixadas pelos aviões? Esses mesmo.

“Tudo tem a ver com a forma como vês o mundo”, refere Tiago Lopes, um dos impulsionadores de uma petição criada em 2013 e que, por ter chegado às mais de 4500 assinaturas, vai hoje ser discutida no parlamento. Também ele só começou a dar outro significado aos rastos brancos que via no céu depois de se informar sobre o assunto. “Eu já sabia que me mentiam, não só sobre isto, sobre muita coisa”, admite.

Tiago garante que aquilo que é lançado pelos aviões são partículas sólidas em suspensão e que, entre outros propósitos, servem para controlar o clima. Refere-se aos autores desta prática como “eles”, não o governo, mas o “estabelecimento político”, até porque os governantes vão mudando; o sistema, não”.

Teoria… da conspiração? Tiago não está sozinho nesta luta para provar que todos os dias o planeta está a ser bombardeado com partículas químicas. Se quando entrou para este grupo de Facebook não eram mais de 300, agora chegam quase aos 16 mil membros.

A nível internacional, esta teoria, que muitos consideram da conspiração, tem vindo a ganhar força, principalmente entre grupos criados nas redes sociais, onde são partilhadas fotos e vídeos de chemtrails registados um pouco por todo o lado. 

Sem uma componente científica que sustente estas suspeitas, é com base nos testemunhos partilhados pelos utilizadores que o site GlobalSkyWatch, um dos que reúnem mais informação sobre o tema e que no Facebook tem mais de 110 mil membros, que foi criada a lista das quatro doenças associadas aos chemtrails: aneurisma, ataque cardíaco, cancro e AVC. Não tão graves mas igualmente comuns são sintomas como o cansaço, dores de cabeça, sinusite, asma, insónias ou tonturas. “É uma teoria”, resume Tiago, quando confrontado com a palavra “conspiração”. “Para ser da conspiração tem de haver alguém a conspirar, e como é isso que eu acho que acontece, então sim, é uma teoria da conspiração.”

Ciência diz não Não se sabe ao certo quando é que começou esta desconfiança sobre os rastos brancos deixados pelos aviões, mas há quem acredite que terá sido um relatório da Força Aérea norte–americana a espoletar esse fenómeno. O documento defendia que a Força Aérea devia apostar no desenvolvimento de métodos de controlo da meteorologia para que pudessem ser aplicados em situações de guerra.

Mesmo que a Força Aérea tenha desmentido a adoção dessa proposta, os rastos brancos nunca mais foram vistos com a mesma tranquilidade.

A ciência sempre olhou com desconfiança para esta teoria, mas a verdade é que nunca se tinha debruçado seriamente sobre o assunto. Isto até ao ano passado, quando um grupo de investigadores dos Estados Unidos resolveu questionar cientistas dedicados à química atmosférica e ao estudo da poluição do ar quanto à veracidade de fotografias, documentos e análises que mostravam níveis altos de produtos químicos em zonas supostamente pulverizadas.

Steven Davis, autor do estudo, explicou ao i que dos 77 especialistas, 76 escolheram uma explicação científica ao invés da teoria dos chemtrails e garantiram não ter encontrado quaisquer provas que fundamentassem a ideia da existência de rastos químicos. O investigador garante que o tal rasto branco deixado pela passagem de um avião é causado pelas baixas temperaturas e pela pressão do avião. “Contrails [nome dado a esse rasto de condensação] são normais”, garante, na esperança de que a existência de uma resposta científica possa, pelo menos, elucidar aqueles que ainda não decidiram se acreditam ou não na teoria dos chemtrails.

Gases pouco inocentes Apesar de lhe retirar toda esta carga destrutiva, a verdade é que João Branco, presidente da Quercus, não vê os gases libertados pelos aviões com um olhar inocente. “Estamos a falar de jet fuel, um tipo de combustível que deriva do petróleo”, refere. Ao i, o especialista lembra que esse combustível é poluente e a sua combustão liberta gases com efeito de estufa.

A Quercus já há muito que tem vindo a alertar para a problemática da poluição causada pelos aviões, uma vez que o setor da aviação não para de crescer. “Tem impacto, claro”, garante, mas prefere distanciar-se daquilo que também apelida de “teoria da conspiração” ao referir-se aos chemtrails. De qualquer forma, mostra-se satisfeito por o tema ser debatido. “Pode ser uma chamada de atenção para o impacto da aviação na atmosfera”, garante.

A Quercus, tal como a associação ambientalista Zero, juntou-se a um grupo de cerca de cem organizações internacionais em protesto contra o plano das Nações Unidas para o uso em larga escala de biocombustíveis na aviação civil. João Branco lembra que o uso de óleo de palma como biocombustível na aviação tem “impactos destrutivos” para o ambiente, tendo em conta a desflorestação que acarreta. De acordo com as contas feitas pela Organização da Aviação Civil Internacional, a indústria do setor irá gastar anualmente cinco milhões de toneladas de biocombustível a partir de 2025, com a fasquia a subir para os 286 milhões em 2050, mais do triplo do total de biocombustíveis produzidos atualmente. “Isso significa que teremos de plantar mais 60 milhões de hectares de produção de óleo de palma, de maneira a atingir os cem milhões. É impensável.”
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