O primeiro-ministro e frágil político japonês Shinzo Abe triunfou nas eleições legislativas do último fim de semana apesar da popularidade abaixo da linha de água e do verão de escândalos. A vitória de Abe, cuja coligação conservadora conquistou novamente uma maioria de dois terços na câmara baixa da Dieta, é, mais do que a prova de uma oposição fragmentada e desnorteada, um passo no sentido de anular o pilar pacifista que governa o Japão desde o fim da Segunda Guerra Mundial. «Vamos tentar conquistar a consciência das pessoas de forma a atingirmos uma maioria no referendo», lançava Abe ao reagir aos resultados, abrindo a revisão do Artigo 9 da Constituição.
Este artigo é o eixo central do pacifismo japonês e há muito um entrave na visão nacionalista de Shinzo Abe. Levado à letra, impede o Japão de possuir um exército próprio e promete «para sempre» renunciar à guerra. Na prática, e depois de várias reinterpretações, esta cláusula enquadra o funcionamento puramente autodefensivo das forças armadas japonesas – literalmente chamadas Forças de Autodefesa -, impede o desenvolvimento de tecnologia balística de ataque e, até à chegada do primeiro-ministro japonês, nem sequer previa que as tropas japonesas combatessem com países aliados no estrangeiro. Abe defende que, num período em que a Coreia do Norte é uma ameaça existencial e a China se afirma destemidamente, o Japão deve reconsiderar o Artigo 9. O líder diz que não quer dúvidas sobre a legitimidade do exército japonês num período de instabilidade mundial, mas os críticos acusam-no de querer dissimular um regresso à normalidade militar – é verdade que Abe pretendia acabar com o artigo antes de chegar ao poder.
Shinzo Abe sabe como é difícil interferir na identidade pacifista do Japão. Há dois anos, o pacote de leis com que legalizou a participação de militares japoneses em missões conjuntas no estrangeiro foi recebida com escaramuças entre deputados e protestos de dezenas de milhares de pessoas em Tóquio. Abe triunfou, mas essas leis não implicaram mudanças à Constituição e aprovaram-se sem referendo. Alterar o documento fundador do espírito japonês do pós-Guerra é outro assunto.
Abe, contudo, parece ter motivos para sorrir. Desde que o primeiro-ministro aprovou as controversas leis militares de 2015, a Coreia do Norte desenvolveu os seus primeiros mísseis intercontinentais e parece ter chegado à sua primeira bomba de hidrogénio. A beligerância aberta de Kim Jong-un abala a região e os próprios eleitores japoneses vão alimentando por estes dias um olhar mais positivo sobre o seu exército, que é um dos maiores e mais sofisticados no mundo. Uma recente sondagem pela estação NHK afirma que 32% dos japoneses aceitam a proposta de Abe, 21% rejeitam-na e 39% estão indecisos.