Devagarinho, longe dos holofotes, a Alemanha está a criar o seu próprio exército europeu, integrando unidades militares de outros países nas suas Forças Armadas, as Bundeswehr. Começou com a Holanda, continuará com a República Checa e a Roménia, e já inclui cooperação estreita com a Polónia.
A Holanda tem já duas brigadas sob comando alemão, a 11ª Brigada Aerotransportada desde 2014 e a 43ª Brigada Mecanizada, que faz parte da 1ª Divisão Blindada Alemã desde março do ano passado. O Governo da Holanda deixou apenas uma brigada de combate no seu exército, além das forças especiais. Além disso, por questões financeiras, as Forças Armadas holandesas vão partilhar com os alemães o seu maior navio, o Karel Doorman, para transporte de tropas: o batalhão naval alemão de 800 homens especializados em proteção naval, desminagem e abordagem de navios será integrado na marinha holandesa.
Em maio deste ano, chegou a vez dos governos da República Checa e da Roménia anunciarem decisões nesse sentido, com a integração de uma brigada de cada um dos países no exército alemão. A 81ª Brigada Mecanizada da Roménia vai juntar-se à Divisão de Forças de Reação Rápida das Bundeswehr. Enquanto os checos optaram por passar a 4ª Brigada de Destacamento Rápido, com experiência em missões no Afeganistão e no Kosovo, para a 10ª Divisão Blindada alemã.
Em 2016, a ministra da Defesa alemã, Ursula von der Leyden, já tinha anunciado: «Vamos estabelecer uma divisão multinacional de blindados no próximo ano». De acordo com o Die Welt, isto deverá levar à criação de uma unidade com cerca de 20 mil soldados no ativo, que deve estar operacional em 2021 e servir como embrião de um possível exército europeu.
Para já, o objetivo é aumentar o orçamento alemão da Defesa para 2% do produto interno bruto até 2024, tal como o Governo de Angela Merkel havia prometido aos seus parceiros da NATO. Alvo ambicioso tendo em conta que mesmo tendo aumentado em 8% a verba em 2017, o orçamento ainda se situa em 1,22% do PIB do país. A este ritmo será difícil conseguir alcançar essa meta.
«O Governo alemão demonstra que está disposto a prosseguir com a integração militar europeia», dizia Carlo Masala, professor na Universidade do Bundeswehr, em Munique, citado pela Foreign Policy. Mesmo que essa integração europeia seja feita à revelia da União Europeia no seu todo. Como dizia Von der Leyen, trata-se de «um grande exemplo para a construção de uma união europeia da defesa».
Thomas Flichy de la Neuville, professor na Academia Militar de Saint Cyr, em França, refere ao SOL que «se trata de uma forma da Alemanha mostrar que não há nenhum perigo em o exército alemão voltar a ser um grande exército outra vez, que agirá sempre de acordo com os seus vizinhos e aliados».
O Governo alemão cunhou um Conceito de Enquadramento de Nações que apresentou na NATO em 2013, defendendo um aprofundamento da cooperação entre os países da Aliança Atlântica em matéria de Defesa. Nesse documento, estava plasmada a justificação teórica para que países com pequenos exércitos pudessem integrar os seus militares em Forças Armadas de nações maiores que lhe garantiam o enquadramento. Um conceito que permitirá uma maior partilha transatlântica dos encargos com a defesa.
De acordo com Justyna Gotwoska, analista de segurança no Centro de Estudos Orientais polaco, em declarações à Foreign Policy, «a iniciativa deriva da fraqueza das Bundeswehr». A integração de forças militares de outros países, que preenchem lacunas dentro das suas forças, permite à Alemanha ganhar um maior poder dentro da NATO. Mais correspondente ao seu estatuto de grande potência económica do que às condicionantes atuais das suas Bundeswehr.
Desde o final da Guerra Fria, o exército alemão desceu de 500 mil efetivos para 177 mil e os equipamentos utilizados pelas suas forças estão longe de ser os mais atuais, obrigando muitas vezes ao canibalismo de equipamentos para manter as suas missões no estrangeiro. Modernizar as Bundeswehr será um processo lento – de pelo menos 15 anos – e com custos altos: 130 mil milhões de euros.
Recrutar soldados noutros países europeus
Além de brigadas de outros exércitos europeus, os alemães querem também recrutar para as suas Forças Armadas cidadãos de outros países da União Europeia. A ideia é vista como imprescindível para conseguir que as Bundeswehr possam alcançar o seu objetivo de chegar aos 198 mil efetivos nos próximos sete anos. Para isso, o Ministério da Defesa quer contratar mais 20 mil soldados até 2025.
A ministra da Defesa alemã, Ursula von der Leyden, afirmava esta semana, ao anunciar o plano, que «poucas vezes as Bundeswehr foram tão necessárias como são hoje».
Há anos que a Alemanha vem sendo pressionada para adotar um maior envolvimento das suas Forças Armadas nas operações da NATO. No entanto, o facto de a Constituição alemã colocar as Forças Armadas sob controlo do Parlamento, tem impedido a participação dos seus soldados em muitos palcos internacionais, devido à oposição da maioria do Bundestag. A situação não deverá alterar-se grandemente tendo em conta que os sociais-democratas do SPD – agora na oposição – se juntam a partidos que tradicionalmente são contrários a aventuras militares em palcos estrangeiros, a AfD (extrema-direita), e o Die Linke (extrema-esquerda).