«Beijo no rosto. Estranho. As bocas se conheciam há tantos anos. Mas agora acabou»

Esta constatação revela o que acontece quando duas pessoas, que foram íntimas, se tornam estranhas e se cumprimentam com distância: «Beijo no rosto. Estranho. As bocas se conheciam há tantos anos. Mas agora acabou». Estas frases soaram-me a versos e uma pesquisa na Internet revelou que são versos de uma canção intitulada A Viagem, da…

Realmente, as relações humanas ganham contornos verdadeiramente estranhos, mudam, e, com elas, muda a vida, tanto a das pessoas diretamente envolvidas como a de todos os que giram à sua volta, amigos ou família.

Torna-se efetivamente estranho ver um «beijo no rosto» dado por pessoas que, antes, se abraçavam e cumprimentavam com um gesto de carinho. Um beijo no rosto é como um aperto de mão. Nada significa. E as bocas que beijam a face são aquelas que «se conheciam há tantos anos» e que se tocavam com grande intimidade. Porém, por vezes, de um momento para o outro (ou talvez não…), tudo acaba. Como diz o poeta, e atualmente Ministro da Cultura, Luís Filipe de Castro Mendes: «Meu amor, desaparecido no sono como sonho de outro sonho, / meu amor, perdido na música dos versos que faço e recomeço, / meu amor por fim perdido».

Perdem-se, assim, gestos que, por vezes, testemunhámos como algo natural num casal que se ama, num casal que partilha a vida, e que nos inclui nela. E, ao separarem-se, também nós somos excluídos daquela vida, mesmo que mantenhamos amizade com ambos, só que já não com aquele par que constituía uma unidade, apenas com cada uma das pessoas individualmente.

Para os próprios será ainda mais estranho constatar como tão rapidamente se passa de um estado de intimidade para um estado de distância ou, pelo menos, de afastamento. Como diz Vinicius de Moraes: «De repente, não mais que de repente / Fez-se de triste o que se fez amante / E de sozinho o que se fez contente».

Uma rutura numa relação de longa duração causa estragos, quase irreparáveis, nas vidas dos envolvidos, dos seus familiares e amigos. Mesmo que essa rutura dê origem a novas relações, mais felizes para ambos (ou, antes, para três ou quatro pessoas!), e nas quais se sintam melhor do que na relação anterior, não deixa de ser estranho que a intimidade passe, no mínimo, a indiferença.

Como será que construímos as nossas relações? De que forma as sustentamos? Que contornos lhes damos? E o que fazemos para as manter ou, pelo contrário, o que deixamos de fazer para que parem de nos preencher e trazer felicidade?

É óbvio que, quando se trata de relações humanas, não é possível generalizar, porque cada pessoa é única e, como tal, cada relação que constrói é também única. Tendo, no entanto, a concordar com Mário Assis Ferreira quando escreveu que a amizade é uma relação mais duradoura do que o amor e que, se a verdade mata o amor, alimenta a amizade.

Em virtude de uma relação de amizade não implicar tanta intimidade (pelo menos física) quanto o amor, quando uma relação de amizade acaba, fica apenas a mágoa dos momentos espirituais partilhados, enquanto no amor fica também a mágoa da separação física, que, mesmo com o passar do tempo, dos anos, não deixa de ser incómoda, como uns grãos de areia no sapato, que não magoam mas também não são confortáveis.

Importa, pois, vivermos intensamente e da melhor forma que soubermos as relações de amizade e de amor que estabelecermos, até porque, como disse o Principezinho, de Saint-Exupéry: «somos responsáveis por aqueles que cativamos».

E não há nada mais belo do que o manifesto de um amor profundo…

 

Maria Eugénia Leitão

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services