Há duas semanas, o i noticiou o caso de um grupo de pessoas em Cascais que se mobilizou para levar ajuda aos habitantes de Santa Comba Dão. Assente a poeira depois do pior dia de fogos do ano, com o balanço trágico de 45 vítimas mortais, o empenho não esmoreceu e multiplicam-se as iniciativas de ajuda em mãos. E mesmo depois das reticências iniciais em avançar com dinheiro, tem havido algumas coletas. Mas há também alguns momentos de perplexidade..
“Continuamos a ajudar”, diz Gonçalo Barreto, uma das pessoas envolvidas na ação solidária anónima que começou em Cascais. “Agora que muitas das necessidades já foram suprimidas, estamos a ajudar de uma forma direcionada”, explica. Desde o início, a ideia era evitar que os bens doados ficassem guardados em armazéns, e conseguiram-no – deram o que tinham reunido a quem precisava e quando mais ninguém precisou partiram para outras localidades.
“Recebemos 16 toneladas de bens e entretanto reunimos mais coisas, que distribuímos por outras cinco localidades, para além de Santa Comba Dão”, conta ao i.
Vila de Avô, Santa Ovaia, Pomares, Arganil e Vouzela, regiões onde vários amigos do grupo têm familiares, foram os destinos dos bens. Entretanto a Câmara de Cascais criou vários pontos de recolha de donativos, que depois vai transportar para a região. Quanto ao grupo, está de momento a ajudar famílias específicas que o procuraram com necessidades concretas.
Contudo, apesar da boa vontade e solidariedade de muita gente, nem todos têm feito doações com as intenções certas. Gonçalo Barreto assinala que muita da roupa entregue “está suja e inutilizável” e questiona mesmo como é que as pessoas conseguem entregar bens em tal estado. Mas essa não é a situação mais gritante: “Houve alguém que entregou uma mala de senhora com fraldas usadas lá dentro”, conta Gonçalo Barreto.
Já os alunos da Universidade Lusíada, que se uniram durante dois dias numa campanha de recolha de bens – iniciativa relatada também pelo i -, tiveram um percurso mais sinuoso. “Não conseguiram, como se tinham proposto no início, entregar os bens às vítimas em mãos”, conta a assessora Anabela Neto.
Por isso, decidiram recorrer a uma instituição que tem estado particularmente envolvida na solidariedade pós-incêndios. Mas a resposta foi negativa. “Recusaram ajudá-los. Os alunos ficaram muito desiludidos e acabaram por contatar outra instituição, o Grupo de Ação Social de Campo de Ourique, que garantiu fazer a distribuição”.
O transporte foi depois feito por carrinhas dos CTT e da Marinha Portuguesa, tendo os bens – cuja quantidade a assessora não sabe precisar, mas diz terem sido “bastantes” – sido distribuídos em Arganil, Tábua e Oliveira do Hospital. E os alunos sabem, garante Anabela Neto, que os bens doados chegaram a quem precisava deles e não estão retidos num armazém.
Mais recentemente, no último fim de semana, um grupo de mais de 100 cidadãos de Esposende, Viana do Castelo e Barcelos partiu de Esposende, na madrugada de domingo, para levar ajuda às vítimas dos incêndios de outubro. Na coluna – que incluía 41 viaturas, 16 camiões TIR e 24 carrinhas – iam bens essenciais, ração para animais, mobílias, materiais de construção e outro tipo de artigos. O i tentou falar com a organização do movimento, mas não obteve resposta. A boa notícia é que todos estes movimentos solidários estão a dar frutos, com várias autarquias a informarem que já receberam alguns bens em quantidade suficiente. É o caso de Oliveira do Hospital, que no último domingo apelava aos portugueses que não doassem mais alimentos e roupa, e de Seia, que pediu na segunda-feira que não fossem doados mais bens não-alimentares.
Depois de Pedrógão
Várias entidades oficiais acabaram por repetir as estratégias e iniciativas de junho. E os portugueses estão a aderir, apesar da aura de desconfiança generalizada depois das dúvidas suscitadas pelos autarcas sobre os donativos feitos às vítimas de Pedrógão Grande, quer em dinheiro, quer através da venda de bilhetes de eventos solidários.
O concerto solidário “É Preciso Acreditar”, por exemplo, aconteceu na terça-feira no Auditório do Convento de São Francisco, em Coimbra, com transmissão em direto pela RTP que, à semelhança do que aconteceu com o concerto no MEO Arena “Juntos Por Todos”, se associou ao evento.
Com casa esgotada e atuações de artistas como Rui Veloso, José Cid ou António Zambujo, que cantaram de forma voluntária, e bilhetes com valores entre 15 e 40 euros, a receita angariada, segundo informa uma nota no site da Cáritas de Coimbra, reverteu a favor desta instituição de inspiração religiosa. Para quem não conseguiu ir ao concerto, houve alternativas: fazer donativos diretamente numa conta bancária ou ligar para uma linha solidária. Aconteceu o mesmo em junho e as receitas desse concerto, mais de um milhão de euros, foram canalizadas para a União das Misericórdias.
De acordo com os dados tornados públicos, desta vez o concerto em Coimbra permitiu angariar 100 mil euros – dez vezes menos que o concerto "Juntos Por Todos" -, canalizados então para a Cáritas Diocesana de Coimbra. Refira-se que a Cáritas foi uma das instituições que já tinha gerido donativos de Pedrógão Grande. Consciente disso, a entidade esclarecia sobre o paradeiro desse dinheiro, em comunicado publicado há duas semanas, a propósito da abertura de uma conta para reunir donativos para as vítimas dos incêndios do último mês. “A Cáritas tem vindo a desenvolver diversas reconstruções de casas no seguimento dos fogos de verão que atingiram a zona centro […]. Até agora já estão em processo de reconstrução parcial um total de 14 habitações, 12 das quais nos concelhos de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, e as restantes duas no concelho da Sertã. Assim, como o apoio a uma empresa familiar e duas reparações de habitações em Mação”, lia-se.
Outra iniciativa solidária bastante comentada nas redes sociais partiu de um dos humoristas mais acarinhados do país. “Uma conversa sobre assuntos” é o espetáculo que Ricardo Araújo Pereira decidiu levar às localidades afetadas pelos fogos. Os bilhetes têm um custo único de 10 euros e as sessões agendadas até ao final de novembro já estão esgotadas. O humorista não se associou, contudo, a nenhuma entidade, trabalhando em colaboração direta com as autarquias. “Temos um apoio jurídico que nos permite monitorizar o destino do dinheiro. É que uma das coisas que me fez mais confusão quando foi aquele concerto solidário no Pavilhão Atlântico é que aquilo gerou uma boa receita e de repente ninguém sabia onde é que tinha ido parar o dinheiro”, explicou Ricardo Araújo Pereira ao “Observador”. “Portanto, a ideia agora é evitar isso. Este apoio jurídico vai fiscalizar e monitorizar a aplicação do dinheiro em conjunto com as autarquias. As famílias que recebem a ajuda são identificadas localmente e o destino do dinheiro é verificado”.
Enquanto várias câmaras municipais têm estado a abrir contas solidárias – assegurando que os valores arrecadados se destinam a ajudar as vítimas dos incêndios –, outras são protagonistas de ações mais surpreendentes e práticas. É o caso da autarquia de Oleiros. O presidente, Fernando Marques Jorge, revelou esta segunda-feira que a câmara vai isentar os munícipes das zonas afetadas pelo fogo do pagamento da fatura da água de outubro.