“As pessoas estão preocupadas com o papel futuro da China na região” e os Estados Unidos não estão a contribuir nada para ajudar a tornar o futuro menos preocupante na Ásia. A frase do antigo primeiro-ministro australiano Kevin Rudd (que não se guarda nas palavras rudes contra Donald Trump, como se pode ver no texto ao lado) parece resumir o estado de espírito do continente asiático, onde Donald Trump irá passar mais de uma semana em visita oficial.
A ideia é que estes nove dias de Trump na Ásia possam servir para que todos percebam melhor quais as prioridades da Casa Branca para a região da Ásia--Pacífico e a forma como esta pretende lidar com questões tão importantes como a da Coreia do Norte (que não seja através de tweets fortes no tom) e da expansão do poder chinês por toda a região. A Coreia do Norte estará no topo da agenda em toda a viagem, e o resto?
Se é certo que o slogan “Make America great again” funciona para o seu eleitorado, as ações de Trump e a sua política externa errática e pouco consentânea com as regras da diplomacia (denunciar o acordo com o Irão porque é mau e sair do Acordo de Paris sobre alterações climatéricas afeta a credibilidade das suas posições e a validade dos compromissos a longo prazo) tem deixado os países da região (e do resto do mundo) sem saber muito bem como se plasma na política externa dos EUA o slogan que o presidente trouxe da campanha para a sua administração.
Tetsuo Kotani, do Instituto de Assuntos Internacionais do Japão, escrevia no “Japan Times” que o périplo asiático de Trump “é uma boa oportunidade” para o líder norte-americano “ouvir os seus parceiros da região”. Porque “Trump pode enfatizar o seu America First em matéria de comércio e de investimento, e discordar de [Shinzo] Abe e do presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, sobre como reduzir os défices comerciais bilaterais, mas não deve fazê-lo em relação à ameaça norte-coreana”. Para o analista, Trump tem de ouvir o Japão e a Coreia do Sul para evitar que se crie a “perceção de que está fazer acordos sobre a Coreia do Norte com o presidente chinês, Xi Jinping, nas costas dos aliados americanos”. Porém, não ajuda a transmitir uma boa mensagem aos seus aliados que Trump tenha escolhido terminar a viagem no dia em que começa a Cimeira da Ásia Oriental: “É uma porta aberta para a China estar nessa conferência e dominá-la”, disse Kevin Rudd.
A viagem do presidente dos Estados Unidos tem hoje uma primeira etapa ainda interna, no Havai, onde chegará hoje e permanecerá até amanhã. E inclui uma visita simbólica a Pearl Harbor e ao memorial do USSArizona. Já na Ásia, será recebido no domingo pelo primeiro-ministro Shinzo Abe que, entre outras amenidades, preparou uma partida de golfe entre os dois e Hideki Matsuyama, jogador profissional japonês.
Abe deverá abordar com Trump uma maior cooperação nipo-americana na região que sirva para contrabalançar o cada vez maior poder regional da China. Se Trump mostrar o empenhamento dos EUA na defesa dos territórios japoneses, incluindo as ilhas Senkaku, alvo de disputa entre os dois países, Tóquio sentirá que retirou ganhos desta viagem.
Essa afirmação pública de Trump, a acontecer, até pode ser bem-vinda por parte da China. Pequim não ficará contente, reclamará enfaticamente e Xi Jinping não deixará de chamar Trump à atenção no encontro entre os dois, mas pelo menos Pequim poderá ter uma melhor perspetiva sobre as intenções políticas desta administração norte-americana.
A China prefere um adversário consistente a um aliado errático, até porque, agora que Xi Jinping se fez alçar ao lugar de Mao Tsé-Tung e entronizou a sua visão política como doutrina, está preparado para fazer a China ocupar no mundo o lugar vazio que uns EUA isolacionistas poderão deixar vago. Contrariando a prática habitual chinesa até agora, de privilegiar o comércio e o investimento, o futuro que Xi Jinping antevê para a China é de uma cada vez maior afirmação política no mundo – afirmar a China na geopolítica mundial.
O tema da Coreia do Norte é problemático entre os dois países, com a China a garantir que o seu poder de influência sobre o regime de Pyongyang é manifestamente exagerado e os EUA a reclamarem uma posição mais clara e dura de Pequim em relação ao regime de Kim Jong-un. Trump parece pensar que uma maior pressão sobre Xi trará efeitos, ideia que muitos analistas não partilham: “Não penso que a China mude muito a sua atual política em relação à Coreia do Norte só por causa de uma maior pressão dos EUA”, disse à Reuters Zhao Tong, especialista na Coreia do Norte do Centro Carnegie-Tsinghua, em Pequim.
Etapas do périplo
Japão (5 de novembro)
A viagem de Trump começa no Japão, onde o presidente dos Estados Unidos irá participar em conversações bilaterais com o primeiro-ministro, Shinzo Abe, e terá um encontro com famílias de cidadãos japoneses que foram raptados pela Coreia do Norte.
Coreia do Sul (7 de novembro)
Além de se encontrar com o presidente Moon Jae-in, Trump irá fazer um discurso no parlamento sul-coreano em que sublinhará o apoio dos EUA à Coreia do Sul e apelará à comunidade internacional para que se una na pressão ao regime da Coreia do Norte.
China (8 de novembro)
A etapa mais aguardada da viagem. O governo chinês está ansioso por perceber as intenções desta administração em termos de política internacional. Como refere o “China Daily”, Pequim está preocupada “com a falta de clareza nas prioridades dos EUA” e quer definir bem as coisas em matéria de comércio e em relação à Coreia do Norte.
Vietname (10 de novembro)
Trump vai participar, em Danang, no Encontro de Líderes Económicos da Cooperação Económica Ásia-Pacífico (APEC na sigla em inglês). O presidente dos EUA apresentará a visão dos EUA em relação a uma região indo-pacífica livre e aberta e o seu importante papel na prosperidade económica norte-americana.
Filipinas (12 de novembro)
São objetivos participar nas comemorações do 50.º aniversário da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN na sigla em inglês) e no 40.º aniversário das relações dos EUA com a organização internacional, que se assinalam na cimeira EUA-ASEAN. À margem terá encontro bilateral com o homólogo filipino, Rodrigo Duterte.