Agustí Alcoberro. “As decisões da justiça foram políticas”

Tem livros publicados e investigação feita sobre o período do Renascimento na região e um livro de ficção que ganhou um prémio literário

Começou a sua ação política nas Juventudes Revolucionárias Catalãs e foi preso aos 17 anos, durante a ditadura franquista. Com a prisão de Jordi Sànchez, este académico próximo da ERC encontra-se à frente da mais poderosa organização da Catalunha, que nesta semana dinamiza uma greve geral e uma manifestação em que pretendem colocar mais de um milhão de pessoas, no próximo domingo.

O independentismo construiu grande parte da sua força atual nas ruas e nas manifestações. No entanto, do ponto de vista partidário, ele expressa-se em vários partidos, por vezes com posições contraditórias. É possível que surja, depois das prisões, uma candidatura independentista unida?

A Assembleia Nacional Catalã gostaria que houvesse uma candidatura unitária às eleições de dia 21 de dezembro que expressasse a recusa da aplicação do artigo 155 [ que suspendeu a autonomia da Catalunha], a defesa do nosso governo legítimo, a afirmação da República e a libertação dos presos políticos. Se não houver a possibilidade de constituir uma lista unitária, o que esperamos é que se estabeleça uma unidade de ação que se concretizaria na apresentação de vários pontos comuns nas várias candidaturas. De qualquer forma, nós vamos empenhar-nos para que o máximo número de pessoas vote nas listas independentistas. É imprescindível vencer estas eleições.

Uma eventual candidatura unitária do independentismo pode ter a participação dos líderes presos da Assembleia Nacional Catalã e da Òmnium Cultural?

Qualquer preso político pode candidatar-se desde que não esteja condenado com uma sentença transitada em julgado que o inabilite. Tanto Jordi Sànchez como Jordi Cuixart estão em prisão preventiva, portanto, podem ser candidatos. E seria convenientemente que houvesse, nas listas, uma ampla representação dos presos: dos Jordis, evidentemente, mas também dos outros presos, como o vice-presidente do governo da Catalunha e os outros ministros que estão neste momento na prisão.

Para essa unidade de ação, que pode concretizar-se numa lista unitária, quais são para si as fronteiras: PDeCAT, ERC e CUP? Ou pode abarcar gente da área do Podem e dos Comunes (área do Podemos catalão e do partido da presidente da Câmara de Barcelona, Ada Colau)?

Se outras forças se somassem aos pontos-base: a defesa da República e do nosso governo legítimo, e a libertação dos presos. Isso seria uma grande candidatura republicana e de alguma forma as eleições voltariam a ter um tom referendário e de sublinhar a determinação dos catalães.

O reconhecimento da Declaração Unilateral de Independência seria uma condição necessária? É porque gente como Ada Colau compartilha todos os outros pontos menos este?

Esta candidatura tem de reconhecer o que se passou, neste país, a 1 de outubro e o ato que se fez no parlamento da Catalunha no dia 27 de outubro [a votação pela maioria dos deputados da Declaração Unilateral de Independência].

Mas para os independentistas conseguirem o apoio de toda a gente que se opõe ao 155 e às prisões não deveriam apontar para a realização de um referendo mais abrangente e negociado que voltasse a colocar a questão da independência a toda a gente?

Para nós é claro que, se a 21 de dezembro ganhar, de uma maneira clara e contundente, uma lista republicana, isso criaria uma situação de repetição e confirmação da vontade dos catalães, e em Espanha e na Europa de alguma forma teriam de reconhecê-lo, obrigando, em nosso entender, a que haja um diálogo político. O objetivo da candidatura é não só reafirmar a existência de uma maioria independentista como abrir caminho a que haja uma forma dialogada para o reconhecimento dessa realidade. O governo que nasça destas eleições deveria conseguir sentar o governo espanhol a uma mesa de diálogo, nem que para isso haja uma espécie de mediação europeia e internacional.

Não têm demasiada confiança na União Europeia?

Neste momento, a confiança que os catalães têm com quem manda na União Europeia está abaixo dos mínimos. É um clube de Estados que se protegem uns aos outros. [Interrompem a conversa com um telefonema do advogado do presidente da ANC.] Estava o advogado a ligar-me a dizer que é pouco provável que aceitem libertar os Jordis, mas a decisão não saiu.

Acredita que o Estado espanhol terá a inteligência de baixar a tensão?

Não sei. Até agora, o governo e o Estado escolheram sempre as medidas mais duras e mais humilhantes: por exemplo, quando os Jordis foram ouvidos na Audiência Nacional, havia uma certa esperança de que ficariam em liberdade, embora pagando uma fiança. Mas não foi isso que pediu a acusação do Estado, nem foi isso que decidiu a juíza. No dia 1 de outubro, o nível de violência e repressão foi muito maior que o previsto. Pelo contrário, no dia 27 de outubro, a atitude foi bastante diferente porque, apesar da aplicação do 155, convocaram–se eleições. A intenção era desmobilizar o eleitorado independentista, agora que os seus estão muito mobilizados. A prisão dos membros do governo da Catalunha mostrou que rapidamente voltaram às formas de atuação mais duras. E pode ter que ver com o facto de, uns dias antes, o presidente ter feito uma conferência de imprensa em Bruxelas perante dezenas de jornalistas internacionais. 

A vossa esperança de que o prolongamento da situação de conflito e de aumento de medidas autoritárias de Madrid leve a UE a jogar um papel pacificador parece ignorar que, atualmente, as autoridades europeias convivem com governos autoritários no seu seio, como o da Hungria, e governos que reprimem violentamente opositores e minorias nacionais, na sua vizinhança, como o governo da Turquia. 

A UE só tomará alguma atitude quando se verifiquem duas condições ao mesmo tempo: uma é a opinião pública – e já existe muita gente preocupada com os que está a suceder, desde 1 de outubro, pelo crescente autoritarismo de Espanha que faz lembrar os velhos tempos franquistas; e, por outro lado, que a economia se ressinta. Será essa conjugação que poderá obrigar a UE a tentar mediar o conflito: o medo de que, com o seu prolongamento, várias variáveis económicas, como o valor do euro e a retomada do crescimento da economia europeia, possam ressentir-se devido a esse ambiente de conflito. Nós, em Espanha, temos uma situação especial. Na maior parte dos países europeus, os princípios democráticos estão estabelecidos, aqueles que vieram de regimes ditatoriais tiveram processos diferenciados: há países no leste em que houve revoluções e países, que tiveram ditaduras fascistas, como Portugal, em que houve um golpe de Estado seguido de uma revolução popular. Em Espanha, as coisas resultaram de uma transição de uma ditadura em que, nos corpos do Estado – polícia, justiça e exército -, a maior parte das estruturas mantiveram-se e não foram tocadas pelo fim da ditadura. E isso é o que diferencia Espanha de outros países. Em Espanha não há necessidade que nasçam partidos de extrema-direita porque o partido do governo é herdeiro do passado e é expressão de uma espécie de franquismo sociológico.

Os independentistas não perderam a iniciativa política depois da greve geral de 3 de outubro que se seguiu ao referendo, como se tivessem tentado dar um passo maior que as pernas?

De alguma forma, chegámos a um nível tão alto de entusiasmo que logo houve uma deceção proporcional a esse entusiasmo. O dia 1 de outubro viveu-se como um grande êxito do povo porque se conseguiu que os colégios eleitorais abrissem e que milhões de pessoas votassem, e isso num contexto imensamente duro, com uma violência e uma repressão enormes. Nesse momento há um sentido de autoestima e de orgulho muito grande. Isso, com a indignação com a violência policial, é materializado no dia 3 de outubro, na greve geral. É certo que depois há uma série de hesitações do governo sobre a forma de implementar os resultados do referendo que acabaram por incomodar os setores mais mobilizados da sociedade. Mas, ao mesmo tempo, o povo independentista é capaz de voltar a encarar o cenário imediato das eleições, recuperando a autoestima e a esperança. 

A ANC é criticada por ser uma estrutura demasiado hierarquizada que funciona de cima para baixo, sem uma participação alargada das pessoas. O que acha destas críticas?

Temos uma estrutura feita de mais de 500 assembleias territoriais e de setores. Temos uma assembleia-geral que se reúne uma vez por ano. E de dois em dois anos é eleito um secretariado nacional composto por 77 membros, 25 dos eleitos a nível nacional e os outros eleitos pelas estruturas e as regiões. Penso que é um sistema bastante participado. Mas pode haver sempre coisas que podem melhorar. E é verdade que a nossa militância é muito participativa e tem uma grande capacidade de criticar a direção e de apontar melhorias a fazer. 

Como apareceu na ANC? É independentista há muitos anos?

Eu estive preso no tempo de Franco. Sou independentista há muitos anos. [Mostra no telemóvel uma foto nos jornais da sua prisão em jovem, com 17 anos, nos tempos da ditadura.] Entrei no secretariado nacional na lista nacional em 2015, numa candidatura unitária com vários setores. E fiquei no secretariado nacional até ao sábado 14 de outubro. Na assembleia há quatro cargos orgânicos: presidente, vice-presidente, secretário e tesoureiro. Foram eleitos em julho de 2016. A vice-presidente demitiu-se recentemente e várias pessoas do secretariado pediram que me candidatasse e fui eleito. Isto foi no 14 de outubro. E no domingo fui com Jordi Sànchez para Madrid e voltei sozinho. Encontrei-me, com ele preso, a ter de ter um papel um pouco maior.

Pensa que pode degradar-se a situação até às eleições de modo a que possam ser presas mais pessoas e podendo chegar a uma situação em que as eleições de dia 21 de dezembro não sejam democráticas?

Se o o governo seguir uma política inteligente, tentará fazer uma política moderada até às eleições, para desmobilizar o eleitorado independentista, e no dia seguinte irá com toda a força. 

Com as prisões, não o fizeram. 

Exato. Fizeram o contrário. Mas se forem inteligentes, vão ser cuidadosos. As pessoas recordam que Mariano Rajoy, quando chegou ao governo, tinha de cumprir um programa de austeridade muito duro mas que, durante seis meses, não o aplicou porque estava dependente das eleições andaluzas. E seis meses depois aplicou-se o programa. 

É possível o que afirma o líder do PP da Catalunha, Xavier Albiol, que caso os independentistas voltem a ganhar tenha de se aplicar o 155 outra vez?

Isso faz-me pensar num filme que é “O Dia da Marmota”, em que se repete o mesmo dia sem parar e sem o protagonista sair desse dia. Isso é impossível. Se ganharem os independentistas, é necessário começar algum tipo de diálogo para que se possa resolver o conflito. Se, apesar de toda a repressão, o povo da Catalunha revalidar a maioria independentista, o governo espanhol ou alguém acima vai ter de promover um diálogo.

Como vê a posição atual do PSC, que foi durante anos catalanista e hoje está aliado ao 155 e não se pronuncia sobre as decisões da justiça que prendem o governo catalão.

Não é de agora: foi um vice-presidente de governo socialista, Alfonso Guerra, que disse um dia, durante o seu governo, com orgulho, que Espanha tinha ultrapassado Montesquieu e acabado com a divisão de poderes. Eles sabem que as decisões da justiça foram políticas e contra o independentismo.