Nem cinco meses se completaram desde o dia em que o rei Salman decidiu presentear o seu filho com o primeiro posto na linha de sucessão do trono saudita, em detrimento do sobrinho, e já Mohammed bin Salman logrou transformar significativamente a paisagem política na Arábia Saudita e reforçar o seu compromisso em revolucionar a arcaica sociedade do país, mesmo que isso signifique ter afastar de cena aqueles que são adversos a tais reformas.
A mais recente jogada do príncipe herdeiro foi levada a cabo no passado fim de semana e mando do novo comité anti-corrupção – presidido pelo próprio – que ordenou a detenção de 11 príncipes, 4 ministros, e diversos militares, empresários e funcionários públicos com ligações a outras fações dentro da família real que não a sua. O motivo? A “exploração de algumas das almas fracas que colocaram os seus próprios interesses à frente do interesse público” com o intuito de “acumular dinheiro ilicitamente”, segundo o comunicado real divulgado pela agência noticiosa saudita SPA – ou corrupção, trocando por miúdos.
Entre os nomes incluídos na onda de detenções de MbS, como é conhecido, destacam-se o do milionário Alwaleed bin Talal, o do ministro da Economia, Adel Faqih, o do chefe da Guarda Nacional, Mitaab bin Abdullah, ou o do ministro da Marinha, Abdullah al-Sultan.
A preparação do terreno para o dia em que suceder ao rei Salman bin Abdulaziz Al Saud, de 81 anos, já tinha levado MsB a operar alguns afastamentos cirúrgicos nos últimos meses – como o do próprio Mohamed Bin Nayef, sobrinho do monarca e antigo número um na linhagem real, ou o de Sultan bin Turki, marido de uma filha do falecido rei Abdullah – e até a ordenar a detenção de vozes incómodas na sociedade civil saudita, como clérigos, jornalistas e intelectuais. Mas uma purga semelhante à ocorrida neste fim de semana, levada a cabo por motivos pouco sólidos e, no mínimo, suspeitos, não tem precedentes no passado recente da Arábia Saudita. E confirma o papel de destaque que MsB tenta assumir desde o dia em que foi confirmado como primeiro herdeiro.
“Os afastamentos e as detenções sugerem que o príncipe Mohammed bin Salman está a estender a sua mão de ferro à família real, aos exército e à Guarda Nacional, para combater o que parece ser uma ampla oposição (…) às suas reformas”, explica ao “Financial Times” James Dorsey, professor universitário em Singapura. “Este último golpe rompe com a tradição de consenso dentro da família real, cujo secretismo lembra o Kremlin nos tempos da União Soviética”, acrescenta o académico.
Ao “El País” um diplomata europeu que conhece muitos dos detidos assumiu que a purga de MsB apanhou muita gente de surpresa, tanto dentro como fora da Arábia Saudita, e aponta a uma mudança de paradigma na política interna de Riade: “As regras do jogo mudaram totalmente”.
As reformas que Mohammed bin Salman quer implementar no velhinho reino fazem parte do plano progressista “Visão 2030”, concebido pelo próprio, e têm enfrentado uma enorme resistência dentro do establishment saudita, nomeadamente junto das elites. O principal objetivo do referido projeto é preparar a Arábia Saudita para um futuro pós-petróleo, ou seja, para uma existência enquanto Estado moderno, competitivo e vanguardista, desagrilhoado da atual dependência quase total na comercialização daquela fonte energética.
A estratégia para alcançar tão ambiciosa meta passa pela diversificação nos setores da economia, das infraestruturas, do turismo, da saúde, da educação, e do lazer, mas também por uma maior abertura e modernização da ultraconservadora sociedade saudita. Um bom exemplo desta última missão, foi o mais recente decreto assinado pelo rei Salman, que lançou as bases para a extensão do direito de condução ao sexo feminino, num dos países mais opressores e segregacionistas das mulheres no planeta.
“A Arábia Saudita está a experimentar grandes mudanças, que de uma perspectiva ocidental parecem positivas. A questão é saber se satisfazem os sauditas”, alvitra o sociólogo Abdul al Lily. Alguns dos que torceram o nariz às reformas foram apanhados na teia de Mohammed bin Salman e, pelo andar da carruagem, outros terão o mesmo destino. O príncipe herdeiro já mostrou que está para ficar. E para levar avante a sua revolução.