O vídeo de “Freedom! 90’”, single capital do agora reeditado “Listen Without Prejudice”, o álbum da afirmação definitiva de George Michael enquanto voz própria e da passagem à era adulta, era também ele um sinal dos tempos. Filmadas por David Fincher, Naomi Campbell, Linda Evangelista, Christy Turlington, Cindy Crawford e a quase esquecida Tatjana Patitz, desfilavam no teledisco-montra das supermodelos da década ainda na alvorada. Por opção, George Michael recolhia-se atrás das câmaras deixando a passerelles a quem haveria de as pisar, em alguns casos, até hoje. Faltava apenas O ícone das supermodelos: Kate Moss. Simbolicamente, cabe-lhe a ela introduzir “George Michael: Freedom”, um documentário preparado pela BBC até George Michael morreu no último 25 de Dezembro.
“No Natal de 2016, recebemos a notícia chocante de que o nosso amigo George Michael tinha partido. Poucos dias antes, dava os últimos retoques no filme que agora vão ver. Este é “Freedom” de George Michael e é a sua última obra”.
2016 foi nefasto para a iconografia pop. Levou David Bowie em Janeiro, Prince em Abril, Leonard Cohen em Outubro e George Michael em Dezembro. De todos, era o mais novo (53 anos, feitos a 25 de Junho). E era também aquele que mais longe estava dos holofotes. Os últimos anos foram de vazio e decadência. “Patiente”, o derradeiro álbum, datava de 2004 – um sucessor estava agendado para este ano –, a digressão “Symphonica” ficara marcada por um internamento na Áustra devido a pneumonia, que quase lhe tirou a vida, – e em 2013 atirou-se do carro de um amigo em pleno andamento numa auto-estrada. A pronta intervenção médica e os ferimentos ligeiros sofridos abafaram o caso mas o diagnóstico era conhecido: George Michael não estava bem.
As últimas fotografias conhecidas, em Setembro de 2016 num restaurante, denunciavam uma figura obesa e quase irreconhecível. No documentário, era o primeiro a mostrar-se inseguro quanto à forma como seria lembrado. “[Gostava de ser recordado] como um grande escritor de canções”, admitia, “e espero que as pessoas pensem em mim como alguém que tinha alguma integridade” mas “é pouco provável”, confessava antes de sentenciar: “Foi tudo uma perda de tempo e de esforço”. Porquê?
Num filme sempre pop, com os Wham e em nome próprio, a vida de George Michael foi um amor-combate. Com os namorados e a indústria. E tal como Madonna, Michael Jackson, Prince, Kurt Cobain e Amy Winehouse, o percurso vencedor contrastava com as desilusões pessoais. Em cinco anos, perdeu o homem da sua vida, Anselmo Feleppa, e a mãe, Lesley Angold – ironicamente, os destinos de ambos foram traçados no…Natal. O brasileiro, que tinha conhecido em 1991 no Rock in Rio – Brasil, recebeu um resultado positivo ao teste da SIDA no final desse ano. O pior momento da vida de George Michael, reconhece no documentário. Acabaria por morrer em 1993.
A batalha seguinte seria judicial. Contra a Sony, alegando pouco empenho da na promoção de “Listen Without Prejudice” motivado pelo facto de George Michael querer abandonar a imagem de sex symbol contra a vontade da editora. O cantor perdeu o processo. E energia.
O otimismo voltou em “Older”, o mais engomado de todos os álbuns que deixou, mas o sol só brilhou durante seis meses. Em Dezembro de 1996, a mãe e fiel escudeira Lesley Angold Panayiotou soube que tinha um cancro terminal. Os médicos permitiram que passasse o último Natal junto da família, mas seria a última consoada, acabando por morrer em fevereiro de 1997. Ainda mal refeito da morte do namorado, George Michael caiu no precipício. “Reagi muito mal, nunca tinha sentido aquele tipo de depressão. Era diferente do luto (…) foi um momento muito negro”, revelou.
Foi um período fulcral para George Michael. Enquanto se redefinia para uma universalidade adulta, a conduta pessoal era cada vez mais de afirmação. Em 1998, caiu na armadilha de um polícia disfarçado e foi preso por atentado público ao pudor numa casa de banho de Beverly Hills – o caso haveria de ser parodiado no vídeo de “Outside”. Para muitos fãs e admiradores, a morte ainda não é crível mas os antecedentes estavam lá. No amor e na doença.