Os aniversários de independência de um povo são, não poucas vezes, momentos que a extrema-direita aproveita para se afirmar no xadrez político nacional – e até europeu. Foi o caso da Polónia no passado sábado, quando cerca de 60 mil manifestantes marcharam pelas ruas da capital, Varsóvia, empunhando tochas e lançando bombas de fumo vermelhas. Os manifestantes desfilavam ao mesmo tempo que gritavam palavras de ordem como “Europa branca de nações fraternas”, “Deus, honra e país”, “Polónia pura, Polónia branca” e “Refugiados fora”. Manifestantes – muitos deles jovens – com a cara tapada carregavam bandeiras com a falange, um símbolo da extrema-direita polaca que remonta à década de 30.
A manifestação foi organizada pelo grupo Campo Nacional Radical, que se afirma como herdeiro do movimento fascista polaco da década de 30 que colaborou com o nazismo depois da invasão de 1939, e pela organização Todos os Jovens Polacos.
Nos últimos anos, a celebração tem dado azo a uma das maiores manifestações de extrema-direita na Europa, atraindo líderes de forças políticas europeias semelhantes. Por exemplo, Tommy Robinson, líder da Liga Inglesa de Defesa, e Roberto Fiore, da Força Itália, estiveram presentes, num exercício de internacionalismo de extrema-direita.
Apesar da predominância da extrema-direita, Kamil Staszalek, que esteve na marcha, alertou para o risco de se fazerem generalizações sobre os participantes na mesma. Staszalek disse que marchava apenas para “honrar a memória daqueles que lutaram pela liberdade”. Porém, Mateusz, um jovem polaco de 27 anos que participou na marcha, afirmou: “Claro que existem nacionalistas e fascistas nesta marcha, mas estou confortável com isso. Apenas estou feliz por estar aqui.”
O canal de televisão público, TVP, que reflete a linha do governo de direita polaco, apelidou a manifestação de “grande marcha de patriotas”, descrevendo os manifestantes como polacos que expressavam o seu amor pelo país, e não como extremistas. Por sua vez, o ministro do Interior polaco, Mariusz Blasczak, disse: “Estamos orgulhosos por tantos polacos terem decidido participar na celebração” do Dia da Independência nacional.
Apesar da força da manifestação, elementos antifascistas organizaram uma contramanifestação. A organização tentou evitar atos violentos com a separação das duas manifestações, mas alguns manifestantes de extrema-direita avançaram contra um grupo de mulheres que gritavam slogans antifascistas enquanto empunhavam uma faixa com os dizeres “Detenham o fascismo”, empurrando e pontapeando-as.
“Estou chocado por eles [a extrema-direita] poderem manifestar-se neste dia. São entre 50 mil a 100 mil, e na maioria hooligans do futebol”, disse o britânico Andy Eddles, de 50 anos, um professor de línguas que vive na Polónia há 27, ao “Guardian”. “Para mim, é importante apoiar a coligação antifascista e apoiar os democratas, que hoje estão sob pressão na Polónia.”
A pressão não é de agora. Nos últimos anos, a extrema-direita conseguiu apropriar-se deste dia, relegando os grupos de outros quadrantes políticos para as margens. “Eles sequestraram este feriado”, disse Rafal Pankowski, líder da ONG Never Again, que monitoriza a atividade da extrema-direita no país, à Associated Press em 2016. Outros grupos têm tentado recuperar o feriado nacional, mas a extrema-direita tem mantido a sua posição dominante, como demonstrou este sábado.
“Sabemos que uma grande parte da população apoia a extrema-direita, mas não é ativa. Os membros ativos estão nas claques de futebol. Em todas elas”, disse Gonçalo Pereira, jovem emigrante português que vive na Polónia há quase dois anos, em declarações ao i. O jovem não se sente inseguro quando vai à capital polaca, mas tem “amigas que não saem à rua neste dia” por “eles [os manifestantes de extrema-direita] serem agressivos a comemorar”. Ainda assim, sabe de “relatos de portugueses que passaram mal em Varsóvia. Andavam na rua com amigos polacos e foram enxovalhados” com “ofensas e berros”, apesar de não ter havido qualquer contacto físico.
Em declarações ao i, Anna Kleo, polaca de 25 anos que vive em Cracóvia, contou que soube de um “ataque contra uma loja de kebabs. Os vidros da loja ficaram destruídos. Embora os donos fossem polacos, o trabalhador era estrangeiro em Varsóvia”. Na altura, este incidente provocou um debate nacional sobre as atividades da extrema-direita e a sua relação com a imigração, evitando a ocorrência de ações semelhantes.