A Freedom House apresentou esta terça-feira o seu relatório anual sobre o estado do usufruto livre e sem restrições da internet em todo o mundo, e revelou que, para além do caso, largamente noticiado, dos Estados Unidos, foram registadas campanhas de manipulação e desinformação online em atos eleitorais realizados noutros 17 países, entre junho de 2016 e o final de maio de 2017. De acordo com aquela organização não-governamental, com sede Washington, esta realidade “afetou a capacidade dos cidadãos de escolherem os seus líderes com base em notícias factuais e em debates autênticos”.
O “Freedom of the Net 2017” baseia-se no trabalho de mais de 80 investigadores e envolve 65 países – Portugal não foi incluído nesta edição – que perfazem 87% dos utilizadores de internet em todo o globo e representam uma amostra representativa dos diferentes cenários de utilização, disponibilização e acesso à mesma.
Segundo as conclusões do estudo, as estratégias utilizadas para influenciar o ciberespaço e distorcer a informação que anda pela web passam tanto pela atuação de entidades estrangeiras durante períodos eleitorais num determinado país – normalmente pertencente ao clube ocidental –, como por atividades de natureza propagandística, concebidas e financiadas pelos próprios governos. “Os comentadores pagos, trolls, bots, sites de notícias falsas e veículos de propaganda foram algumas das técnicas utilizadas pelos líderes para aumentar o seu apoio popular” pode ler-se no documento, que contabilizou um total de 30 países nos quais se registaram apoios governamentais a “algum tipo de manipulação” online – mais sete países do que o verificado no relatório de 2016, confirmando a tendência de aumento anual destes casos, desde 2009.
“A utilização de comentadores e bots políticos para espalhar propaganda governamental foi iniciada pela China e pela Rússia. Mas agora tornou-se global [e] os efeitos da difusão rápida destas técnicas na democracia e no ativismo cívico são potencialmente devastadores”, afirmou o presidente da Freedom House, Michael Abramowitz, através de comunicado divulgado pela ONG.
Pese a globalização da ameaça, a China ainda continua a figurar no topo da lista dos Estados que têm ao seu dispor verdadeiros “exércitos de influenciadores” online, mesmo tratando-se do maior “agressor da liberdade de internet” do mundo, de acordo com o ranking da Freedom House – seguida da Síria e da Etiópia. Para além de controlar o acesso e a grande maioria dos conteúdos disponíveis, a estratégia de Pequim assenta na disseminação de notícias falsas, na difamação de ativistas e adversários políticos do Partido Comunista Chinês e na difusão de informação lisonjeira para o governo, em todos os tipos de plataformas web – desde as redes sociais, passando pelos portais noticiosos ou pelos sites do próprio Estado.
Também na Rússia as táticas são semelhantes, sendo que o trabalho de manipulação e subversão da informação é levado a cabo pela Agência de Pesquisa da Internet, presidida por um empresário próximo de Vladimir Putin. O relatório aponta ainda o caso das Filipinas, de Rodrigo Duterte, onde os “soldados do teclado” recebem 10 dólares por dia (cerca de 8,5 euros) para intoxicar as redes sociais, e o da Turquia, que conta com perto de 6 mil “influenciadores”, que todos os dias entopem a internet com propaganda pró-Erdogan.
Sanja Kelly, diretora do projeto “Freedom on the Net”, alerta para o aumento dos casos de utilização das redes sociais e da internet na difusão de “agendas antidemocráticas” e justifica essa tendência com as dificuldades de identificação daquilo que é ou não desinformação, particularmente no que toca à sua origem. “Não só a manipulação é difícil de detetar, como é mais difícil de combater do que outros tipos de censura (…), porque é dispersa e pelo alargado número de pessoas e bots envolvidos na sua disseminação, explica Kelly.
A ONG refere que nos últimos anos as técnicas de manipulação via internet têm vindo a tornar-se cada vez mais sofisticadas, particularmente nas redes sociais, onde os algoritmos que garantem mais visualizações e maiores probabilidades de os conteúdos fraudulentos aparecerem nos feeds durante o máximo período de tempo possível, são potenciados até ao limite.
Do “Freedom of the Net 2017” também se conclui que 2017 foi sétimo ano consecutivo em que se verificou uma diminuição geral da liberdade na internet, fruto dos retrocessos verificados em países como Ucrânia, Egito, Turquia, Venezuela, México ou Equador. A frequência de interrupções e de cortes nos serviços de internet móvel voltou a aumentar e foi justificada, em muitos casos, pelas autoridades, por motivos políticos ou securitários. O relatório refere que, muitos dos episódios de bloqueio do acesso dos cidadãos à rede, registados durante o período em estudo, tiveram lugar em zonas habitadas por minorias étnicas, grupos religiosos ou populações marginalizadas, que costumam desafiar os governos ou reivindicar mais direitos, como foram os casos da região dos tibetanos (China) ou dos oromo (Etiópia).
A organização não-governamental norte-americana também destacou um aumento de 50% do número de países – 30 em 65 – onde se registaram represálias e ataques físicos a jornalistas e bloggers, por notícias ou comentários publicados na internet e nas redes sociais. Neste índice figuram a negro os nomes de Brasil, México, Paquistão e Síria.
Tudo somado, apenas 23% da internet utilizada a nível global pode ser classificada com verdadeiramente “livre”, segundo os padrões da Freedom House.