O vídeo dos agressões da Urban Beach divulgado na semana passada trouxe para a linha da frente as competências dos profissionais de segurança privada.
Entre os profissionais envolvidos na indústria da noite contactados pelo SOL, vários levantaram preocupações relativas à formação dos seguranças.
José Gouveia, presidente da Associação de Discotecas de Lisboa, considera que «a formação dos seguranças não é suficiente. É muito deficiente e instantânea, e não se pode considerar que seja eficaz».
Por sua vez, João Magalhães, antigo proprietário de vários espaços que está por agora a preparar outros projetos, não a acha insuficiente, mas considera que devia ser complementada com «um sistema de pontos como o da carta de condução, em que cada asneira que o segurança fizesse começava a perder pontos».
João Magalhães acrescenta que o segurança «devia ser avaliado psicologicamente de x em x tempo. Um piloto, por exemplo, não vai pilotar um avião se não fizer exames sistemáticos e saber se está apto para poder voar. Um segurança que lida com situações de conflito e força tem de ser sujeito a uma examinação, para ver se não tem problemas pessoais, etc. Há uma grande falha aí».
Um antigo polícia e ex-formador de seguranças que não quis ser identificado sublinhou ao SOL que «a formação não muda a educação das pessoas».
«Ou seja, a formação não lhes dá a capacidade suficiente de engolirem alguns sapos quando têm de interagir com um público mais complicado», continua, lembrando que a formação também «não altera hábitos que eles têm de ginásio, em que não comem, só bebem e aquilo dá-lhes cabo do juízo», disse.
Ao SOL, a mesma fonte apontou que «há discrepâncias brutais entre testes de diferentes empresas e o nível de exigência é muito diferente», defendendo que «os testes deviam ser feitos na PSP, que neste momento está a trabalhar para os ter».
Já Rogério Alves, presidente da Associação de Empresas de Segurança, considera que a formação prevista na lei é suficiente, mas alerta para um problema. «Tem de haver mais fiscalização, é preciso garantir que a formação é efetivamente ministrada, porque casos há em que não o é», denuncia.
Entretanto, a reunião do Conselho de Segurança Privada, agendada para ontem, foi horas antes desmarcada por «motivos de agenda», segundo informou o Ministério de Administração Interna (MAI).
A formação
Como é a formação dos seguranças que estão à porta das discotecas?
Existem centros de formação próprios, com autorização da DGERT e da PSP, e apenas esses são reconhecidos pelo MAI. Quanto ao regime de acesso à profissão, esse é regulado pela PSP.
Atualmente, para se ingressar na profissão têm de ser cumpridos alguns requisitos. Em primeiro lugar, o candidato tem de ser português, de um Estado membro da União Europeia, de um Estado que faça parte do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu ou, em condições de reciprocidade, de um Estado de língua oficial portuguesa.
Tem também de não ter sido condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime doloso previsto no Código Penal e demais legislação penal.
Entre as exigências conta-se ainda que o candidato não exerça, nem tenha exercido, a qualquer título, cargo ou função de fiscalização do exercício da atividade de segurança privada nos três anos precedentes. Não pode, também, ter sido sancionado, por decisão transitada em julgado, com a pena de separação de serviço ou pena de natureza expulsiva das Forças Armadas, dos serviços que integram o Sistema de Informações da República Portuguesa ou das forças e serviços de segurança, ou com qualquer outra pena que inviabilize a manutenção do vínculo funcional.
Finalmente, o candidato deve possuir a escolaridade obrigatória.
O passo seguinte é a formação. Um candidato que queira ser segurança tem obrigatoriamente de fazer a especialidade de segurança-porteiro, uma formação que corresponde a uma carga horária de 230 horas.
As primeiras 200 horas de formação habilitam os futuros seguranças para a função de vigilante. Entre as competências ensinadas, estão incluídos módulos de técnicas de socorrismo, prevenção e combate a incêndios, procedimento penal e meios de prova ou defesa pessoal.
As 30 horas restantes, durante as quais se ensinam as competências específicas da especialidade de segurança-porteiro, estão divididas em três módulos com 10 horas cada – regime legal dos estabelecimentos de restauração e bebidas, sistemas de segurança obrigatórios e funções do segurança-porteiro e direito de acesso e identificação de comportamentos de risco.
A lei clarifica que a cada cinco anos o profissional é obrigado a renovar as suas especialidades. Essa renovação é feita através de formações específicas em cada especialidade.
A lei também é igualmente clara quanto às funções deste profissional. Como se lê no artigo 18.º da Lei 34/2013 de 15 de maio, o segurança-porteiro exerce «exclusivamente» as funções de «vigiar e proteger pessoas e bens em estabelecimentos de restauração e bebidas com espaço de dança ou onde habitualmente se dance, obrigados a adotar sistemas de segurança nos termos de legislação especial», «controlar a entrada, a presença e a saída de pessoas dos estabelecimentos previstos na alínea anterior, com recurso aos meios previstos em legislação especial, visando detetar e impedir a introdução de objetos e substâncias proibidas ou suscetíveis de possibilitar atos de violência», «prevenir a prática de crimes em relação ao objeto da sua proteção» e «orientar e prestar apoio aos utentes dos referidos espaços em situações de emergência, nomeadamente as que impliquem a evacuação do estabelecimento ou recinto».