O advogado do Estado angolano e arguido na Operação Fizz Paulo Blanco apresentou na semana passada ao tribunal uma versão dos factos que pretende pôr em causa a que resultou da investigação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Nessa versão fala da centralidade de Carlos Silva, presidente do Banco Privado do Atlântico, e da do seu advogado Daniel Proença de Carvalho, que entretanto reagiu, negando todas as acusações (ver texto ao lado).
Na última edição, o semanário “SOL” noticiou que na contestação de Paulo Blanco são reveladas conversas com o procurador Rosário Teixeira, convites enviados a Pinto Monteiro, reuniões com Cândida Almeida, a intervenção do procurador-geral da República de Angola, contratos de trabalho e relações particulares dos procuradores do DCIAP.
O advogado Paulo Blanco decidiu pedir o levantamento do sigilo profissional para contar tudo o que diz ter acontecido nos bastidores e que não encaixa no que é descrito na acusação do MP.
Segundo acusa, a investigação não terá chegado a outras conclusões porque não quis: “O MP sabe – e tem elementos no processo que o demonstram – que não perseguiu quem ‘podia’ perseguir, infletindo no sentido de arquitetar uma versão dos factos que nada coincidiu com a realidade.”
Aliás, garante mesmo que os procuradores da Operação Fizz sabem “quem convidou o Dr. Figueira para abandonar o MP”, uma vez que a “acusação contém elementos dessa ciência e nomeia as pessoas que promoveram esse convite”.
De acordo com a acusação, Blanco terá sido um dos intermediários em todo o esquema montado e que tinha como objetivo o arquivamento de processos que visavam Manuel Vicente, a troco de contrapartidas pagas ao magistrado Orlando Figueira.
Mas o advogado garante não ter feito qualquer intermediação de encontros ou acordos de contrapartidas, admitindo ainda assim ter estado em algumas reuniões e almoços onde muitos dos assuntos se falaram.
Encontros com a elite Começa por falar de um inquérito que visava o Estado angolano em que os vários intervenientes se conheceram e no âmbito do qual foram solicitadas por aquele Estado inquirições de testemunhas para memória futura – diligências que deram lugar a encontros com a elite da justiça dos dois países: “Reuniões realizadas no DCIAP, nas quais participou também, para além do arguido [Paulo Blanco] e do Dr. Orlando Figueira, S. Exa. o Procurador-Geral da República de Angola, Dr. João Maria de Sousa, a Dra. Cândida Almeida, então Diretora do DCIAP, e a Dra. Carla Dias, Procuradora da República que com aquela trabalhava diretamente.” Terá sido nesse momento que Orlando Figueira conheceu o banqueiro Carlos Silva.
Depois disso, Orlando Figueira, refere-se na contestação, tomou uma decisão que deixou muitos estupefactos, que foi a de considerar suspeitas todas as testemunhas arroladas pelo Estado angolano a virem prestar as tais declarações para memória futura, determinando inclusivamente a quebra do sigilo bancário – algo que Carlos Silva terá sabido com facilidade, dado ser o então presidente do conselho de administração e acionista maioritário do Banco Privado Atlântico Europa e do Banco Privado Atlântico, com participações pessoais superiores a 20%.
A defesa de Blanco diz que o advogado que representava o Estado angolano chegou a dar conta de grandes preocupações com a quebra do sigilo, mas por questões relativas a “negócios privados […] alheias aos interesses do Estado angolano”.
Posteriormente, as instituições de crédito enviaram toda a documentação pedida por Orlando Figueira e, segundo descrito por Paulo Blanco, “na sequência de diversas reuniões ocorridas no escritório do Dr. Daniel Proença de Carvalho […] o referido inquérito terminou por Acordo nos termos ali inscritos”.
Outro lado da ida a Angola Também a versão da acusação quanto a uma visita de Orlando Figueira e do colega Vítor Magalhães a Angola, em abril de 2011, é contestada. Blanco garante não ter sido o intermediário dos convites, alegando que os mesmos foram feitos pela PGR angolana e endereçados via procurador-geral da República de Portugal, Pinto Monteiro.
Confirma, porém, terem existido encontros dos procuradores com diversas individualidades angolanas. E terá sido nessa visita que, segundo Paulo Blanco, a saída de Orlando Figueira do DCIAP se começou a desenhar. “O Dr. Orlando Figueira distribuía cartões-de-visita a toda a gente que se encontrava em tais eventos, como se fosse um profissional liberal por conta própria, cartões que tinha mandado fazer antes da viagem e, para tal, tinha naturalmente um propósito pessoal que não escondia a ninguém, que era o de sair da magistratura do MP.” Nesses encontros estava também Carlos Silva, que Figueira sabia ter muita influência e poder na banca.
Ida ao DCIAP sem notificação Depois do regresso a Lisboa, é relatado ainda um episódio em que Orlando Figueira sondou Blanco sobre a hipótese de chamar ao DCIAP Carlos Silva sem notificação oficial, no âmbito de um inquérito que estava nas mãos do procurador Rosário Teixeira, o que veio a acontecer.
Os dois almoços no Ritz São por fim descritos dois almoços no Ritz, em Lisboa. Um primeiro no dia em que Carlos Silva foi depor nesse inquérito e durante o qual Carlos Silva abriu a porta a um emprego no BPA. E um segundo (em dezembro de 2011) em que a contratação foi praticamente fechada.
Nessa altura, Blanco diz ter chegado a rever uma minuta de trabalho, sendo que Carlos Silva ainda não tinha decidido se seria para o BPA Europa ou para o angolano – mais tarde haveria de contar que entregara a minuta do contrato no BPA Europa (ou seja, português).
Mas, no mês seguinte, declarações do ativista angolano Rafael Marques num inquérito em curso implicaram não só a entidade bancária como Carlos Silva, o que levou este último a decidir que a entidade patronal de Orlando Figueira tinha de ser a Primagest: “Que é, como é bom de ver, um mero veículo do Banco Privado Atlântico, SA, de direito angolano.”
A partir daí, vários foram os motivos que levaram Blanco a cortar relações tanto com Orlando Figueira como com Carlos Silva.
A centralidade de Proença Ao longo de toda a contestação, Daniel Proença de Carvalho é descrito como um ponto nevrálgico, sendo até apelidado de “coordenador”.
Em fevereiro de 2012, Blanco diz ter sido de novo chamado ao BPA por Carlos Silva e pelo advogado André Navarro, para lhe solicitarem os seus serviços para a empresa Edimo, no âmbito de um inquérito em que Rosário Teixeira era o procurador titular. Esta empresa estaria a responsabilizar o banco pela sua situação atual.
“O que fizeram, sublinharam, com a prévia anuência do Dr. Daniel Proença de Carvalho, Coordenador dos Serviços Jurídicos do Banco que, atenta a confiança que o arguido tinha com o Dr. Rosário Teixeira, como resultara da inquirição do Dr. Carlos Silva, concordava que o patrocínio em questão lhe fosse entregue caso os clientes do Banco não se opusessem”, revela.
Tal acabou por acontecer, e a sociedade de advogados de Paulo Blanco assumiu a defesa da Edimo em fevereiro. Pouco depois, Orlando Figueira terá contactado o advogado dizendo que estava a colaborar com Proença de Carvalho e propondo um esquema em que tanto Orlando Figueira como Blanco poderiam ganhar. A recusa deste último, refere-se, terá feito com que fosse chamado mais tarde ao banco e lhe fosse comunicado que, por decisão do “Coordenador”, o caso seria confiado a Cortes Martins, “que tinha sido colega de curso do Dr. Rosário Teixeira”.
Segundo Blanco, o desfecho prova que aquilo que ele não aceitou fazer acabou por ser feito depois do seu afastamento. E adianta que as ligações perigosas não se ficaram por aí: “O Dr. Orlando Figueira continuou a colaborar com o Dr. Daniel Proença de Carvalho, tendo sido ele quem combinou com o Procurador da República, Paulo Gonçalves, a inquirição do Dr. Carlos Silva no âmbito do referido inquérito nº 208/13.9 TELSB que, por via do instituto da separação de processos, veio a dar origem ao processo n.º 356/14.8TELSB”.
Testemunhas de peso A defesa deste arguido da Operação Fizz pediu para arrolar como testemunha o Presidente da República, vários magistrados, dos quais se destacam Rosário Teixeira e Cândida Almeida, o advogado Daniel Proença de Carvalho, os juízes do Tribunal Central de Instrução Criminal Carlos Alexandre e Ivo Rosa e ainda João Soares e Fernando Seara.