Robert não perdia a oportunidade de desferir uns socos a cada arremedo de discussão. Algo muito dele. Um arruaceiro, pode dizer-se sem rebuço. Mas também não tinha medo de ser esmurrado, honra lhe seja feita.
Lembram-se de O Cabo do Medo? Muito provavelmente do que foi realizado por Martin Scorsese. Com outro Robert: Robert De Niro. É de 1991.
Já muitos não se lembrarão de O Cabo do Medo de 1962, realizado por J. Lee Thompson. Esse com o Robert dos socos: Robert Mitchum. O de Scorsese foi um remake do de Thompson. Quanto aos Roberts, Mitchum e De Niro, tiveram várias coisas em comum, sobretudo no que à pancadaria diz respeito. E ambos foram Max Cady na tela: «I got somethin’ planned for your wife and kid that they ain’t nevah gonna forget. They ain’t nevah gonna forget it…and neither will you, counselor. Nevah». Ah pois!
Diz a história do cinema que Robert Mitchum ficou com um olho negro quando, após ter sido confundido com Kirk Douglas por um chato qualquer, lhe rabiscou um autógrafo em nome de Douglas acrescido de uma sugestão bastante visual do local em que devia metê-lo. De Niro, por seu lado, ficou com vários olhos negros e um não mais acabar de hematomas em O Touro Enraivecido por ter resolvido experimentar ser realmente esmurrado em prol da autenticidade das filmagens.
De Jake La Motta, o Touro do Bronx, ou ‘O Touro Enraivecido’, muito se escreveu e se filmou. Aliás, ele próprio não fugiu ao apelo da sétima arte após o final de uma carreira que o levou ao título de campeão do mundo de pesos médios, ficando conhecido por ter sido o primeiro homem a vencer o formidável Sugar Ray Robinson. Infelizmente, apalhaçou-se. Tentou a comédia e tornou-se ridículo. Continuou a bater em toda a gente, inclusive na mulher. «I fought Sugar Ray so often, I almost got diabetes», terá sido a sua piada mais bem conseguida.
Sugar Ray Robinson defrontou várias vezes Jake La Motta, mas apenas uma vez Bernie Reynolds, do qual muito pouco se escreveu e se filmou.
No dia 7 de novembro de 1951, Robert Mitchum estava em Colorado Springs, no lounge do Hotel Red Fox. Já adiantadamente alcoolizado, discutia qualquer coisa de somenos importância com Richard Egan, com o qual contracenava no filme em que estavam a trabalhar: One Minute to Zero. Egan combatera na II Grande Guerra, tendo passado à disponibilidade com o posto de capitão. E não bebera menos do que Robert.
Quando o soldado Bernard Reynolds surgiu no bar com a farda meio abandalhada de uma noite adiantada, o capitão não se conteve: «Abotoe esse uniforme!» Ao que Reynolds replicou: «Abotoe essa boca!».
Entornou-se o caldo.
O arruaceiro Mitchum perdeu as estribeiras. Agarrou Bernard Reynolds pelo colarinho e atirou-o de encontro ao balcão. Em seguida esborrachou-lhe a cara na superfície onde se acumulavam os copos já vazios. Finalmente, com o pobre diabo já no chão, aplicou-lhe um pontapé na cabeça.
Foi a pior derrota da carreira do boxeur Bernie Holmes, um peso pesado que contava com 19 KO aplicados até aí.
Na sua biografia, publicada vários anos mais tarde por Lee Server, Baby I Don’t Care, Mitchum recordou o episódio: «Não foi propriamente uma luta sob as regras da Marquesa de Queensberry. Enfiei-lhe um pé na cabeça e gritei – ‘See fucker! Se what I could do to you?’. Quando se anda à pancada com um gorila é preciso estar pronto para ir até ao limite».
Robert Mitchum não terá sido, com perdão de algumas senhoras mais entusiásticas, um canastrão de enorme talento. Às vezes, a sua inexpressividade podia dar muito jeito aos realizadores, mas provocava bocejos na plateia. Ainda assim, participou em mais de cem filmes.
O filme dessa noite de novembro foi negro para ele. Reynolds foi parar ao hospital e o ator conduzido à esquadra e encerrado durante algumas horas. Ainda por cima tinha cadastro por posse de marijuana. Três anos antes a notícia dera brado. Estava acompanhado pela loiríssima Lila Leeds e pela sua amiga Vicki Evans quando a brigada de narcóticos lhes entrou pela casa dentro e os encontrou a enrolar umas dezenas de charros.
Mitchum esteve-se nas tintas: «Valeu a pena tudo isso. Não estou a falar de Lila, embora ele também tenha valido a pena, claro! Agora derrubar um bruto boxeur de pesos pesados, isso já é uma história valente! Boa para contar aos netos».
Ao ser libertado, olhou para os jornalistas que o esperavam com aquele seu olhar de carneiro mal morto e limitou-se a dizer: «Aquilo lá dentro é igualzinho a Beverly Hills. Só tem é menos delinquentes…».