Tenho uma dívida de gratidão ao arquipélago dos Açores e aos açorianos que me obriga a escrever este texto. É a gratidão de um continental que esteve em casa numa ilha que não antes visitara, que testemunhou um patriotismo extraordinariamente puro, que viu uma terra com um orgulho em ser Portugal que não se vê tanto em Lisboa.
Desde a revolução dos cravos que o percurso das regiões autónomas tem sido marcado por um progresso incomparável em direitos sociais. Na Madeira, os níveis de pobreza durante o Estado Novo eram quase feudais. Nos Açores, a emigração em massa para a América do norte devastou possibilidades de desenvolvimento económico. A autonomia, nesse sentido, não constituiu somente um processo de justiça histórica como um imperativo nacional. A necessidade era lógica e a condenável megalomania que caracterizou muita da sua governação mais recente não deve desconsiderar a sua importância.
Não podemos, hoje, ter um Parlamento no continente em que o sotaque dos deputados regionais ainda causa risinhos nas bancadas, em que as matérias trazidas de um meio que a maioria nunca visitou provocam estranheza em vez de solidariedade, em que os representantes da Madeira e dos Açores têm que lutar dentro dos seus próprios partidos para os grupos parlamentares concederem atenção às suas propostas. É democraticamente indigno. Uma Assembleia da República – de toda a República – é mais que isso.
O que se passou na discussão do Orçamento do Estado do próximo ano, com o ministro das Finanças a não saber dizer ao Parlamento como é que o plano de revitalização da ilha Terceira que constava no Orçamento de 2017 fora esquecido no de 2018, é prova disso. O Governo Regional (socialista) ser obrigado a desmentir o ministro dos Negócios Estrangeiros (igualmente socialista) é preocupante. O Laboratório Nacional de Engenharia Civil comprovar a contaminação do território em consequência da cedência da Base das Lajes aos EUA, preferindo o Governo esperar por cedências americanas em vez de prevenir financeiramente a região, também.
Deixo, então, uma palavra de incentivo a Mário Centeno (para repor o esquecimento no OE do próximo ano), a Augusto Santos Silva (para evitar ser desmentido sobre matérias de importância), ao PS (para não depositar excessivas esperanças numa Casa Branca em tudo errática) e ao PSD, na medida em que a Oposição, por via da Comissão dos Negócios Estrangeiros, também pode empenhar-se em garantir que se irá pagar o que se poluiu. A diplomacia parlamentar, muitas vezes esquecida, já foi defendida neste jornal por Sérgio Sousa Pinto (que preside à comissão referida). Um consenso interpartidário dentro desse quadro seria um passo importante nas negociações com Washington.
Este ano, a grande lição política foi essa: Portugal não pode mais tratar assuntos de soberania como se não o fossem. Isso serve para todos os partidos. E para todas as regiões.